Os Censos de 2021 revelam que, nesse ano, havia 40.422 casas vazias no distrito, onde de incluem, por exemplo, os alojamentos para venda ou arrendamento, a aguardar partilhas e a precisar de obras. Ou seja, quase 14% do total das casas existentes estavam desocupadas. Do valor global, ressaltam ainda os 65.202 alojamentos com uso sazonal, número que representa 22% do total de habitações, e os 187 mil usados como residência habitual.
A nível nacional, a análise do Instituto Nacional de Estatística, divulgada na semana passada, dá conta da existência, em 2021, de mais de 723 mil alojamentos vagos, sendo que, desses 15,1% necessitavam de obras profundas. Na região de Leiria, havia 33% de fogos a precisar de reparações (20% com necessidades médias, 9% ligeiras e 4% profundas).
Os dados do inquérito mostram ainda que havia em Portugal cerca de 5,97 milhões de alojamentos familiares clássicos para cerca de 4,15 milhões de famílias clássicas. No distrito, a relação era de 293 mil alojamentos para aproximadamente 170 mil famílias.
Mais casas do que famílias
“Temos quase mais dois milhões de casas do que famílias”, constata Gonçalo Antunes, investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, frisando que o problema do País não é a falta de habitação, mas sim o facto de “o número de casas que estão no mercado em cada momento, para comercialização ou arrendamento, ser reduzido ou insuficiente”.
E é esta escassez que leva ao aumento dos valores por metro quadrado, que não é acompanhado pela subida dos salários, provocando “uma incompatibilidade entre os preços do mercado e os rendimentos disponíveis”, salienta Gonçalo Antunes.
“Como é possível haver tantas casas vazias e tanta gente a precisar de casa a preços que possa pagar?, questiona António Palmeira, que, no ano passado, viveu um “calvário” quando procurou nova habitação. As respostas a esta pergunta são diversas e dependem de quem as dá.
Do lado dos proprietários, alega-se que é a lei da procura e da oferta a funcionar. Do lado dos inquilinos, pede-se uma maior intervenção do Esta- do, para regular o mercado e para reforçar os apoios a quem não pode acompanhar a evolução dos preços. Os especialistas ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA apontam ainda a necessidade de aumentar a oferta de habitação pública, num misto entre construção nova e reabilitação, e de colocar os devolutos no mercado, com incentivos fiscais à requalificação e à aplicação de rendas acessíveis.
“São precisas soluções que equilibrem o direito à habitação e o direito à propriedade”, defende Gonçalo Antunes, que considera que uma das prioridades passa por reduzir o número de habitações desocupadas. No seu entender, “o Estado tem de incentivar os privados a voltar a colocar as casas no mercado, através, por exemplo, de isenções fiscais que incentivem a reabilitação”.
Também Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses , considera “urgente” resolver o problema dos devolutos. “Se conseguíssemos colocar de novo no mercado 150 ou 200 mil, resolvia-se o problema da falta de habitação”, antevê, defendendo que o Governo “tem de intervir”, legislando nesse sentido. No seu entender, “o Estado, nomeadamente as autarquias, deviam ter acesso as essas casas, para as recuperar e colocar no mercado”. Quan- do fossem ressarcidas do investimento, “seriam devolvidas aos proprietários”.
Aumento da habitação pública
A atribuição de isenções ou de reduções fiscais aos proprietários que arrendem “a preços ajustados ao que as pessoas podem pagar” e a fixação de limites aos aumentos das rendas são outras das propostas da associação de inquilinos liderada por Romão Lavadinho. A organização defende ainda um maior aproveitamento dos fundos do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) para reforçar a resposta pública de habitação. Esta é, aliás, uma das particularidades portuguesas da crise de habitação, um problema que atingiu dimensões globais.
Num artigo publicado no jornal Expresso, Daniel Oliveira frisa que, em Portugal, “temos 2% de habitação social”, enquanto “a maioria dos países europeus tem mais de 10%”. “Se a habitação é um bem escasso, precisamos de políticas públicas que garantam acesso”, afirma, citando dados publicados no Diário de Notícias, segundo os quais, “em 13 dos 27 países da União Europeia há controlo do preço das rendas.”
Um problema de rendimentos
“As rendas não são altas. Nós é que ganhamos pouco. A população flutuante chega e paga o valor pedi- do. O que fazemos? Não arrendamos?”, contrapõe António Frias Marques, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, para quem o problema da habitação em Portugal tem muito a ver “com os rendimentos”.
Nessa linha de pensamento, o geógrafo Álvaro Domingues nota que “há hoje uma forte polarização social”. De um lado, “quem ganha ‘rios’ de dinheiro, e, do outro, quem não consegue pagar uma renda ou uma prestação, mesmo com salários médios”. Ou seja, estamos perante “uma economia feita de extremos, com reflexos na habitação”.
O problema, salienta Álvaro Domingues, é que a crise habitacional afecta “todos os aspectos da nossa vida em comunidade”. Se é difícil ou impossível viver perto do local onde há empregos, “as pessoas são forçadas a procurar casa em zonas cada vez mais afastadas desses pólos de atracção”. Por outro lado, aumenta-se “o stock de casas vazias nesses centros”.
Mercado a caminho de “correcção”
Para Nuno Fabião, mediador imobiliário, os números dos censos referentes aos alojamentos vagos reflectem a “loucura” que o mercado viveu na viragem da década, em consequência do aumento dos níveis de poupança, fruto da redução do consumo devido à pandemia, que levou ao crescimento do investimento no sector do imobiliário, visto como “um activo seguro”.
“Houve muita gente a investir, incluindo em segundas casas, e assistimos a um disparar dos preços. Foram dois anos loucos”, diz, referindo que começa a haver agora indícios de que “iremos entrar numa fase desinflaccionária, de correcção do mercado”, por força das medidas adoptadas pelos bancos centrais, com o aumento dos juros.
No entanto, segundo Nuno Fabião, essa inversão da curva ainda não chegou ao arrenda- mento. “Como não há imóveis disponíveis, o valor das rendas não baixarão tão rapidamente, até porque há clientes, nomeadamente estrangeiros e nómadas digitais, que conseguem suportar os preços praticados”, refere.
“É a carência que faz o preço”, reforça o presidente Associação Lisbonense de Proprietários, alegando que “não há tantas casas vazias” como os números mostram. “As estatísticas enganam. Muitas das ditas casas vagas não têm condições de habitabilidade. É preciso recuperá-las e não há vontade política para isso”, afirma António Frias Marques, que considera prioritário criar incentivos “a sério” à reabilitação. Por outro lado, diz, “o Estado tem de criar respostas habitacionais para pessoas com baixos rendimentos”. Como? Por exemplo, com o reforço de programas de renda acessível, para jovens e para a classe média, e apoios que reduzam a taxas de esforço com o crédito à habitação, sugere o investigador Gonçalo Antunes.