Um observatório, uma máquina de sons e assombrações, uma ilha num lago abandonado, uma cadeira a dois metros e meio de altura, um campo de vólei que convida à transgressão e várias placas de licenciamento de obra a assinalar a fronteira entre o real e o imaginário.
Aceder ao jardim da Villa Portela durante o Festival A Porta, que começa amanhã, 2 de Julho, significa descobrir instalações produzidas por Patrick Hubmann, ± MaisMenos ±, Tenório e pelos colectivos Til e Frame, entre árvores e arbustos, zonas de sombra e de luz, esconderijos e clareiras, no contexto do convite para residências artísticas lançado pela organização com o objectivo de projectar modos de viver a propriedade e o chalet do século XIX que o Município quer transformar em centro de artes.
A intervenção de Miguel Januário (± MaisMenos ±) pretende gerar “uma deriva, quase um passeio situacionista” e “ser uma crítica” ao modelo de “selvajaria da construção” que ainda predomina em Portugal.
Para o conseguir, utiliza placas de licenciamento de obra que sinalizam uma “provocação para que o espaço venha realmente a ter uma solução interessante”. E que exploram a ambiguidade e os limites do possível ao aproveitar as sugestões mais improváveis da população de Leiria para a Villa Portela. Como, por exemplo, uma base secreta do FBI.
Já a proposta de Diogo Monteiro (Tenório, fotografado na imagem, no topo da página, que abre o artigo) é uma estrutura em madeira inspirada por histórias de seres e assombrações. Mecanismos accionados por pedais (e, também, o efeito do vento) libertam sons e deslocam objectos recolhidos na sucata – um depósito em metal, um componente de máquina de lavar, garrafas de vidro, entre outros – e painéis com fragmentos de criaturas imaginárias, que se encontram suspensos.
“Para mim, vai ser uma descoberta”, diz ao JORNAL DE LEIRIA. “Vou ter os elementos, as formas e as cores, mas o movimento e o andar em volta da instalação vão proporcionar leituras diferentes”.
Este ano, a organização do Festival A Porta – que acontece, maioritariamente, na Villa Portela, nos três primeiros fins-de-semana de Julho – desafiou a população de Leiria a partilhar memórias e sonhos relacionados com o chalet do século XIX e são estes contributos de crianças, jovens e adultos que constituem a matéria-prima para as residências artísticas, a partir de duas perguntas: o que imaginas que já aconteceu nesta casa e neste jardim? O que achas que este espaço poderá ser no futuro?
O colectivo Til é responsável por duas instalações. Uma delas, um campo de vólei, construído com os mesmos materiais da vedação que separa a Villa Portela do terreno para onde existe um projecto imobiliário, com a bola a ser jogada por cima de um aviso com a inscrição “propriedade privada” e “proibida a entrada”. E, muito provavelmente, a cair, com frequência, no quintal do vizinho.
A outra instalação do colectivo Til, que também explora transições entre público e privado, acessível e não acessível, adianta Gonçalo Lopes, um dos elementos do grupo, é um observatório criado com materiais reutilizáveis no ponto da propriedade mais visível da rua. Com aparência de barraca clandestina, revela-se, por dentro, como miradouro diante das principais colinas da cidade, a olhar o Castelo, a torre sineira e o novo ascensor junto à Sé.
Outro colectivo, o Frame, que habitualmente trabalha na intersecção entre arquitectura, arte e pesquisa urbana, apresenta em Leiria, no Festival A Porta, o primeiro resultado de uma investigação sobre o modo como o piso, “sendo alterado, ou modificado de alguma forma, modifica directamente o estar, a experiência”, explica Gabriela Salazar.
A ilha coberta de relva colocada no centro do lago esconde uma surpresa inesperada, joga com os sentidos, a percepção e com a ilusão, e, ao mesmo tempo, procura “um habitar de um mundo fantástico” e “de haver possibilidades quase que surreais” na Villa Portela.
Por fim, as peças distribuídas por Patrick Hubmann na propriedade, feitas de sobras de serrações, em que se incluem uma cadeira a dois metros e meio de altura, são “mobiliário para desfrutar”, para “estar e observar”, que obrigam a “mudar a perspectiva” e existir em lugares que não são os mais óbvios ou comuns. “Estruturas móveis, algumas mais, outras menos”, explica, que visam “dar às pessoas a opção de descobrir o jardim” e abraçar outros “pontos de vista”.
As sugestões da população de Leiria chegaram directamente ao site oficial festivalaporta.pt e também através da réplica em miniatura da Villa Portela, a três dimensões, que circulou por cafés, restaurantes, escolas, livrarias, associações, lares e grupos informais.
Imóvel com classificação de interesse municipal, a Villa Portela foi construída no século XIX, possivelmente entre 1894 e 1896. Em Março de 2017, o Município de Leiria adquiriu-a aos proprietários, Ricardo Charters de Azevedo e Helena Charters de Azevedo, mediante contrato de renda vitalícia.
Patrick Hubmann é um designer austríaco radicado em Portugal, na região Norte, desde 2012, o colectivo Til está baseado em Leiria, Diogo Monteiro (Tenório) é originário do concelho de Alcobaça, Miguel Januário (± MaisMenos ±) chega do Porto e o colectivo Frame tem sede em Lisboa.