Garantir o abastecimento de água às populações é já um dos grandes desafios da humanidade. A escassez deste recurso vital, torna-o um bem cada vez mais precioso e valioso, que importa preservar. O combate ao desperdício, associado ao uso eficiente, é uma das armas para enfrentar o problema, numa equação onde entram também a reutilização de água, a dessalinização e a conservação de ecossistemas que ajudem a reter a humidade.
Ao nível do desperdício há uma grande margem de progressão. A somar ao que gastamos em excesso ou que não reutilizamos, ao que se desperdiça com práticas agrícolas desadequadas ou culturas desajustadas, há as perdas das redes públicas de abastecimento. Na região e de acordo com o relatório de 2020 da Entidade Reguladora do Sector da Água e dos Resíduos (ERSAR) há municípios onde quase metade da água que entra na rede se perde em fugas e rupturas.
É o caso de Alvaiázere, Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pera e Pedrógão Grande. Em Porto de Mós, a percentagem das designadas perdas reais ronda os 40%, na Marinha Grande os 35% e em Leiria os 30%. Alcobaça, Batalha e Ourém são, na região, os concelhos com melhor desempenho a este nível, com valores abaixo dos 20%. No total, mais de 25% da água que entra nos sistemas públicos de abastecimento do distrito não chega sequer às torneiras.
Este é um problema assumido pelos municípios, que apontam o envelhecimento das redes como causa principal. A par da antiguidade das condutas, a extensão da rede, que atinge quase 1.800 quilómetros, revela-se uma dificuldade acrescida em Leiria, onde, na semana passada, o município anunciou um conjunto de 32 medidas para mitigar os efeitos da seca, que inclui investimentos no combate às perdas de água.
Entre as intervenções em curso em Leiria, está a implementação de um sistema de pesquisa e alerta de fugas, a criação de zonas de controlo e a instalação de mais 5.000 contadores inteligentes que permitem detectar roturas atempadamente. Algumas destas medidas estão também a ser adoptadas por outros municípios da região, como Caldas da Rainha, que se encontra a implementar um sistema de telegestão de controlo, quer na rede de abastecimento, quer nas estações elevatórias, a par da substituição de condutas e da reabilitação de reservatórios.
Em Óbidos, o município irá “melhorar” a telegestão, que “ajuda a reduzir perdas ou a identificá-las e actuar em tempo útil”, explica o presidente da câmara, Filipe Daniel. Também nos concelhos do norte do distrito, onde há municípios com perdas a rondar os 50%, se está a combater o problema. Na semana passada, a Empresa Intermunicipal de Ambiente do Pinhal Interior (APIN), que, desde 2020, assume os serviços de água e saneamento em 11 concelhos dos distritos de Leiria e Coimbra, anunciou investimentos na ordem dos 4,8 milhões de euros para reduzir e prevenir perdas de água, nos sistemas de distribuição e adução de água.
Maior eficiência no regadio
A par do combate ao desperdício a reutilização de águas, nomeadamente através do reaproveitamento de caudal tratado nas ETAR, é outro caminho a seguir.
Em entrevista ao JORNAL DE LEIRIA, publicada esta edição, Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas, diz que, depois dos progressos “notáveis” que o País teve no tratamento das águas residuais, é preciso passar ao passo seguir e reaproveitar esse caudal em vez de o libertar nas zonas costeiras. Esta é outra das áreas onde há muito por fazer na região.
Basta olhar para os números. Só 0,85% da água residual tratada nas cinco ETAR com potencial de reutilização tem aproveitamento. Os restantes 99,15% são despejados em meio hídrico. Há, no entanto, projectos em curso para começar a inverter estes números, quer por parte da Águas do Centro Litoral, quer no regadio do Vale do Lis, cujos investimentos em curso irão permitir “a breve prazo” o uso de caudal tratado proveniente das ETAR. Além da componente de reutilização de água, o investimento de 35 milhões de euros na modernização daquele sistema – 15 milhões em execução e 20 milhões já aprovados – vai permitirá reduzir as perdas.
Este é, aliás, o foco da intervenção, frisa Henrique Damásio, administrador-delegado da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Lis, adiantando que a diminuição de perdas está estimada em 15%, o que fará com que “a eficiência do sistema passe de 75 para 90%”.
Restabelecer o ciclo da água “é possível”
Sem desvalorizar a importância de reduzir as perdas e os consumos, Alexandra Azevedo, presidente da Quercus, defende que é preciso “restabelecer o ciclo da água” e que tal “é possível”. “Termos secas cada vez mais frequentas e mais intensas pode não ser uma inevitabilidade se trabalharmos para isso”, afirma a ambientalista, que aponta alguns caminhos, como o combate à desflorestação e a adopção de práticas e culturas agrícolas de baixo consumo de água e que ajudem à retenção de humidade.
Para Alexandra Azevedo, “entrámos num ciclo vicioso”. Ou seja, na tentativa de responder ao aumento da procura de água, constroem-se barragem, destruindo áreas florestais ou sistemas agrícolas”. Por outro lado, sob a capa da prevenção de incêndios, “abatem-se indiscriminadamente árvores, muitas vezes sem critério técnico-científico”, denuncia, frisando que a “floresta é fundamental para reter a água”.