Texto de Cláudio Garcia, Daniela Franco de Sousa e Elisabete Cruz
Às 6:40 horas, Constança Pedrosa já se estava a levantar, ansiosa por regressar à escola. Depois de praticamente três meses, voltar às aulas presenciais é quase como o primeiro dia. “Estou muito ansiosa e nervosa, sobretudo, porque tenho medo que os professores façam algum teste. Estou muito feliz por estar com os colegas e com os professores e auxiliares. Estava desejosa que as aulas começassem”, conta ao JORNAL DE LEIRIA enquanto toma o pequeno-almoço.
Com a fase dois do desconfinamento, iniciada na última segunda-feira, 5 de Abril, regressam as aulas presenciais no segundo e terceiro ciclos, voltam as modalidades desportivas de baixo risco e reabrem as actividades de tempos livres, os centros de dia, os equipamentos sociais de apoio à deficiência, as esplanadas, as lojas com porta para a rua e menos de 200 metros quadrados, os museus, monumentos, galerias de arte e similares, os ginásios (ainda sem aulas de grupo) e as feiras e mercados não alimentares. Por outro lado, deixa de estar em vigor a proibição de circulação entre concelhos.
Constança, 12 anos, aluna do sexto ano, combinou com as amigas a roupa que iriam levar para ficarem “parecidas”. T-shirt e calças de ganga foi o acordado. Enquanto se prepara para sair de casa, olha constantemente para o relógio. “Não quero chegar atrasada.”
O toque de entrada da Escola Básica 2,3 D. Dinis, em Leiria, é às 8:30 horas e a jovem até alarme colocou no telemóvel para ter a certeza que iria sair de casa a tempo. A mochila com os livros para segunda-feira ficou feita no sábado. “Estava já ansiosa com o regresso e queria deixar tudo pronto para ter a certeza que não me esquecia de nada.”
[LER_MAIS]Já com os dentes lavados e os sapatilhas calçadas solta um grito: “Não tenho lanche!” Corre para a cozinha com a mãe e em pouco mais de um minuto prepara uma taça de frutas, bolachas e água. No carro, pede à mãe para colocar o rádio na Cidade FM e pega no telemóvel para falar com as amigas. “Também estão muito ansiosas. Uma delas enviou uma mensagem às quatro da manhã a dizer que não conseguia dormir.”
Habitualmente, Constança é muito conversadora e costuma cantar com a mãe, mas, na segunda-feira, a troca de mensagens com as amigas domina a viagem de Casal Novo, onde mora, até Leiria. Pelo caminho vai controlando as horas e começa a ficar stressada quando vê que são 8:21 horas e ainda falta um pouco para chegar. A mãe sossega-a. Já quase em frente à escola volta a olhar para o relógio: “Meu Deus, já são 8:30 horas.” Tira a identificação da escola e diz que “já estava com saudades de passar o cartão”. Dá um beijo de despedida à mãe e sai do carro a correr para se encontrar com as amigas, que a esperam no recreio para ainda terem tempo de dar dois dedos de conversa antes de entrarem para a sala.
Abater a barriguinha
Trinta minutos mais tarde, às 9 horas em ponto, mal abrem as portas do ginásio Fisicoloucura, na Marinha Grande, entra o primeiro cliente. Luís Freitas, de 65 anos, está impaciente por voltar aos treinos. “Fazia muita falta, para desenferrujar as pernas e para abater a barriga”, conta o sexagenário, que tem na elíptica e na passadeira duas aliadas para manter a mente e o corpo sãos.
Ansioso pelo regresso estava também Rogério Nunes, coordenador desportivo do Fisicoloucura. Embora tenha mantido o ritmo em casa, através de aulas online, era importante retomar a actividade, porque, feitas as contas, no último ano “o ginásio esteve sem poder trabalhar quase seis meses”.
Desde o início da pandemia, o ginásio teve um prejuízo de cerca de 80 mil euros, estima Rogério Nunes, que lamenta ainda o facto de ter dispensado quatro das dez pessoas que ali trabalhavam. E a nível nacional, expõe o coordenador, mais de 300 ginásios já não conseguiram reabrir depois do segundo confinamento.
Neste caso, o ginásio aproveitou o fecho para fazer alguns melhoramentos, explica o responsável. Se durante o primeiro confinamento, por ser uma situação nova, se justificou a suspensão desta actividade, o mesmo não aconteceu neste segundo momento, considera Rogério Nunes. Isto porque os ginásios adoptaram fortes medidas de protecção, condicionamentos que tiveram bons resultados, sem situações de contágio em espaços do género, nota o coordenador. Além disso, é preciso ver a actividade nos ginásios como uma forma de reforçar defesas, de prevenir doenças e preservar a saúde mental, acrescenta.
Regresso às lojas
Entretanto, em Leiria, na avenida Heróis de Angola, Berta Cunha dedica-se a remover o pó acumulado nos expositores, à espera das 10 horas. O telefone toca, é um cliente, de Caldas da Rainha, a perguntar pelas botas encomendadas antes do confinamento.
A sapataria Norte existe desde 1963 – é a mais antiga de Leiria, diz a actual proprietária, filha dos fundadores. “Aos sábados, imagine o movimento que era, o meu pai contratava polícia para a porta”.
O negócio chegou a justificar 18 funcionárias e resistiu a tudo: as crises de 1977 e 1983 com intervenção do FMI, a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE), os primeiros shoppings, a transição do Escudo para o Euro, as compras online, a austeridade nos anos da troika. A pandemia é dos períodos mais difíceis. “Então, não é? Porta fechada, está tudo dito”.
Melhores tempos se adivinham: a julgar pela manhã de segunda-feira, os leirienses estão prontos para regressar. Junto ao pronto-a-vestir SMF, também na avenida Heróis de Angola, aguarda-se no passeio pela abertura de portas, o que não surpreende a responsável de loja, Sandra Poitier: “As pessoas estão ansiosas para sair de casa e acaba por ser um pretexto”.
Menos de 10 minutos depois já há clientes com sacos de compras. “Para o meu filho, está sempre a precisar”, explica Maria João Santos, acompanhada por uma amiga, Dina Branco. “Ainda vamos dar mais uma volta. Está maravilhoso e já tomámos um cafézinho na esplanada”.
Sozinho no Museu
No Museu de Leiria, corredores vazios, o primeiro visitante chega pelas 11 horas, ou seja, hora e meia após a reabertura ao público pela primeira vez desde 15 de Janeiro. Visita rápida, talvez menos de um quarto de hora, para “matar saudades” de um espaço que Rui Miguel Oliveira conhece bem e a que regressa regularmente.
“Já vi aqui várias exposições e fascina-me o Museu de Leiria”. Pelo ingresso, pagou cinco euros.
Actualmente a frequentar formação em carpintaria, gosta, sobretudo, do núcleo Origens, que retrata a paisagem na bacia do Lis durante o Jurássico (há meio milhão de anos) e coloca em destaque o já célebre Menino do Lapedo (datado de há 29 mil anos). “A mim, motiva-me saber um bocadinho da cultura e da história dos meus antepassados”, explica. “Aprendem-se muitas coisas”.
Já este mês, há um novo pretexto para voltar ao Museu de Leiria: a inauguração da próxima exposição temporária. Uma hora mais tarde, aproximadamente, também a Igreja da Misericórdia, onde funciona o Centro de Diálogo Intercultural de Leiria, com acesso gratuito, recebe os primeiros visitantes: Hugo Oliveira e Joana Vidal, residentes em Leiria, a aproveitar as férias para uma caminhada.
Nunca tinham entrado na Igreja da Misericórdia depois das obras de reabilitação e da abertura do CDIL. E gostaram do que viram. “Está um brinco, está impecável, mesmo”.
Esplanadas à pinha
Os restaurantes com esplanada enchem rapidamente as mesas disponíveis. São muitos aqueles que querem voltar a almoçar fora e apanhar ar. Junto ao Teatro Miguel Franco, as esplanadas montadas no primeiro confinamento estão à pinha. Várias pessoas esperam para poderem almoçar. Os mais apressados, acabam por se resignar e levar take away.
Carolina Caçador é uma das clientes do primeiro dia. “Aproveitei para sair de casa, apanhar ar e também contribuir para a restauração local. Tenho noção que é seguro almoçar fora e as coisas estão seguras”, afirma, ao salientar que já há muito que “sentia falta dos espaços ao ar livre, das pessoas e da cidade”.
Mais à frente, Maria da Luz Ferreira também aguarda por mesa. “Trabalho em Leiria e já sentia falta de almoçar fora. Tenho estado sempre no local de trabalho e não tinha onde almoçar.” Poder fazer uma refeição na esplanada serve para “descontrair”, ao mesmo tempo que aproveita para prolongar a reunião de trabalho.
“As pessoas sentem muita vontade de sair e o comércio de Leiria tem-se adaptado bem às exigências da pandemia”, assegura.
No plano de desconfinamento, a próxima etapa já é conhecida: 19 de Abril. Se a matriz de risco o permitir, nessa data são retomadas as aulas presenciais no ensino secundário e superior, reabrem os cinemas, teatros, auditórios e salas de espectáculos, todas as lojas e centros comerciais, os espaços interiores de restaurantes, cafés e pastelarias e as lojas de cidadão, recomeçam as modalidades desportivas de média risco e voltam a ser permitidos eventos no exterior, casamentos e baptizados.