Mário Santos tinha apenas quatro anos quando deixou Mira de Aire para seguir os pais, que rumaram ao Canadá “em busca do sonho” de uma vida melhor em termos económicos. Regressou aos 49 anos à procura de “mais qualidade de vida”, trocando a turbulência de Toronto, cidade onde vivem cerca de 6,5 milhões de pessoas, pela tranquilidade e pacatez daquela freguesia, com menos de quatro mil habitantes. Veio com a mulher, a brasileira Adriana Grazini, que tem ascendência italiana, e os dois filhos, então com seis e nove anos, e com planos para abrir um negócio em Porto de Mós.
O “sonho” concretizou-se cinco anos depois, primeiro com a abertura do restaurante Ponto de Vista, localizado no coração da vila forte e a funcionar há cerca de um ano, e em Março último com o início da actividade do 5ª Vigia, um hostel de espírito boutique com oito quartos e capacidade até 23 hóspedes em simultâneo.
Pelo meio, teve que enfrentar as “teias” da burocracia, com o “arrastar” dos processos de licenciamento e de “autorizações”, e, quando finalmente a obra estava pronta, a pandemia. “Estivemos 14 meses em stand by e quando abrimos o restaurante, em Setembro de 2021, ainda enfrentámos uma nova vaga de casos de Covid -19”, conta Mário Santos.
Entusiamo “de coração”
As “dores de cabeça” do restaurante são contrabalançadas com o desempenho “muito positivo” da unidade hoteleira, que teve “esgotada” nos meses de Verão. É, aliás, na recepção do hostel, que tem uma vista privilegiada para o Castelo e que espreita para o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, que o empresário explica as razões que o levaram a investir no concelho e na área do turismo.
Aponta, por um lado, o “sentimento patriota” e o entusiasmo “de coração” que o liga às raízes, mas também a vontade de contribuir para colmatar o défice de oferta na restauração em Porto de Mós, à porta do parque natural e muito perto de Fátima, dos mosteiros de Alcobaça e Batalha e da praia da Nazaré.
Depois, há a parte racional, associada ao querer aproveitar “o petróleo de Portugal”, que considera ser “o acolhimento aos turistas”. “A ideia era investir numa área onde Portugal tem muito para oferecer, um potencial enorme que pode e deve continuar a ser explorado”, defende Mário Santos, que no Canadá era proprietário de uma clínica e de um ginásio, Antes, tinha sido director comercial de uma multinacional, que o levou a trabalhar na Europa, em África e na América do Norte.
Quase cinco anos depois do regresso às origens, Mário Santos, de 53 anos, diz que a família alcançou a “tranquilidade” e a “liberdade” que almejava. É, aliás, esse o feedback que os filhos, hoje com 13 e 10 anos, lhe transmitem com regularidade, sobretudo após momentos de brincadeira nas ruas de Mira de Aire, “impensáveis” em Toronto.
Sonho de “abrir negócio”
“Liberdade” é também uma palavra que surge no discurso de Celeste Gameiro quando fala do seu regresso a Portugal. Após 37 anos de vida em França, voltou à Caranguejeira, vila do concelho de Leiria, para concretizar o sonho de abrir um negócio.
O regresso aconteceu há quatro anos. Deixou o emprego que tinha como secretária – antes trabalhou numa perfumaria – e começou a projectar O Cantinho da Saudade.
Aberta em plena pandemia, a creparia está instalada no centro da vila, num espaço onde antes funcionou uma instituição bancária e que Celeste Gameiro “namorava” todos os verões, quando vinha de férias a Portugal. O ‘casamento’ consumou-se há quase dois anos. Além dos crepes, a casa aposta também nas panquecas, waffles e macarrons. De tempos a tempos, há karaoke e até despedidas de solteiro.
“É um espaço familiar. Sempre tive a ideia de abrir um negócio onde pudesse estar em contacto directo com as pessoas”, salienta a proprietária, que emigrou para França aos 17 anos, onde tinha os irmãos e onde o pai já tinha vivido. Celeste Gameiro assume que a adaptação foi “muito difícil” e que a palavra “saudade” a acompanhou ao longo dos 37 anos que viveu em Paris.
“Voltar sempre fez parte dos meus planos”, afirma, contando que a filha mais nova, formada em marketing internacional e que se radicou em Lisboa após fazer Erasmus, a incentivou a voltar.
Apesar de os tempos difíceis que o País e o mundo atravessam, está confiante que a crise actual será ultrapassada e até já sonha com novos voos, confessando o desejo de “um dia” abrir um novo espaço em Leiria e até um outro em Lisboa.
Investimentos de “oportunidade”
O percurso de Vítor Luís, sócio-gerente da Vipremi e da Techni- Verre, empresas de pré-fabricados de betão e de vidro que criou em Ourém depois de anos de emigração em França, é um pouco diferente do de Mário Santos e de Celeste Gameiro. Conta que, quando embarcou no comboio na estação de Pombal, em 1981, o fez com a convicção de “não mais voltar”. Tinha então 21 anos e sentia-se empurrado para fora do País pela “falta de oportunidades” para os jovens da sua geração.
Chegado a Paris, agarrou-se à vontade férrea de “ganhar a vida”. Arranjou trabalho numa empresa de pré- -fabricados e, dez anos depois, abriu o seu próprio negócio, dentro do mesmo ramo. Na viragem do século, acabou por se voltar também para Portugal e a escolha “natural” para o investimento recaiu sobre Ourém, concelho de onde é originário.
“Decidi com a razão e não com o coração. Senti que era uma boa oportunidade de negócio”, assume o empresário, que tem em mãos um novo investimento na zona industrial de Casal dos Frades, em Ourém. Criada em 2021, a TechniVerre dedica-se ao fabrico de tijolos de vidro.
Depois de uma fase de arranque a “baixa velocidade”, a empresa prepara-se para expandir a actividade em 2023, dispondo já de uma carteira de obras que abre perspectivas à contratação de mais trabalhadores, a juntar aos quatro que tem actualmente.
A empresa-mãe, a Vipremi, conta com 65 funcionários e exporta 95% do que produz, refere Vítor Luís, que divide a sua vida entre França e Portugal. “Mais lá do que cá”, diz, destacando o papel “importante” que o irmão Manuel Luís, antigo emigrante, tem na direcção das empresas do grupo em Portugal, cujo investimento total rondou os três milhões de euros.
As duas unidades foram recentemente visitadas pelos secretários de Estado das Comunidades Portuguesas e do Desenvolvimento Regional, respectivamente, Paulo Cafôfo e Isabel Ferreira, a propósito da apresentação da edição de 2022 do Encontro do Programa Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora (PNAID).
Com a esta deslocação às duas unidades fabris, a comitiva pretendeu dar a “conhecer o exemplo de empresas criadas com investimentos da diáspora”. “Estas pessoas saíram de Portugal, mas Portugal nunca saiu deles. O Governo quer potenciar este afecto, que tem não só um valor económico, não só um sentimento, um sentimento que tem valor e mas pode contribuir para desenvolver o País”, disse Paulo Cafôfo.
Fátima vai acolher o V Encontro PNAID – Programa Nacional de Apoio ao Investimento da Diáspora, a realizar de 15 e 17 de Dezembro no Centro Pastoral Paulo VI. Retomada após um ano de interregno, devido à pandemia, a iniciativa deverá juntar cerca de 700 participantes, entre investidores da diáspora e empresários que pretendam “encontrar parceiros para exportar ou internacionalizar o seu negócio”. Sob o lema Investimento da Diáspora, um investimento com marca, o evento tem como finalidade “fornecer informação sobre áreas-chave das políticas públicas do País a empresários portugueses no estrangeiro interessados em investir em Portugal”. Dar a conhecer as oportunidades e medidas de apoio ao investimento no País e à internacionalização através da diáspora é outro dos objectivos do encontro, que disponibilizará um espaço para a apresentação de projectos, “com vista à interacção, à partilha de experiências e boas práticas e à promoção de parcerias e oportunidades de negócios”.