Geralmente, a apreciação da arte gótica, seja na sua vertente musical, escultural, literária, pictórica, arquitetónica, cinemática, teatral, ou meramente estética, dá-nos prazer. O prazer gera serotonina. A serotonina gera uma sensação de bem-estar. A sensação de bem-estar coloca-nos sorrisos na cara.
O sorriso, se não for irónico ou cínico, é uma projecção inconsciente de satisfação. Parece paradoxal que um movimento artístico que se inspira no universo lúgubre e sinistro, com imagética frequente-mente associada ao terror, às histórias de amor dramaticamente exageradas e trágicas, ao romantismo vitoriano deliberadamente anacrónico, que se veste de preto em solidariedade com o mundo que definha a cada pulsar, possa ter um efeito surpreendentemente antagónico: gerar felicidade.
Por exemplo, as canções tristes, profundamente confessionais e poéticas, suscitam-nos mais emoções. Tocam-nos muito mais intensamente que uma canção que verse, de forma às vezes brejeira, sobre um engate à beira-mar, um “twerk” de bunda no chão, ou sobre uns implantes mamários colossais.
Não quero desmerecer, pois também aprecio o humor. Contudo, esse tipo de arte só arranca de mim uma gargalhada efémera. Claro que o mero entretenimento, muito dele repleto de conteúdo vazio, incapaz de nos provocar uma sensação de arrepio, de arrancar de nós uma lágrima de comoção, de nos gerar inquietação ou de nos fazer reflectir, dá muito jeito.
A sua inépcia controla as massas de forma mais efectiva. Porém, naturalmente, não tem a força, a eficiência, nem a depuração que um impacto emocional profundo pode provocar. O oculto, o desconhecido, o obscuro, o misterioso, criam-nos mais curiosidade e fascínio do que tudo o que é demasiado explícito.
A prova disso mesmo é ver como é que um festival como o Extramuralhas, que elege a cor do luto como a sua, consegue reunir durante três dias a maior dose de contentamento per capita e por metro quadrado que se pode encontrar num evento de curadoria de autor, que privilegia manifestações de arte maioritariamente subversivas, soturnas, sombrias, e nos antípodas das estéticas mainstream vigentes.
É a força do expressionismo a funcionar na sua mais pura visceralidade e perante os seus mais ávidos receptores que faz do Extramuralhas, provavelmente, “o festival gótico mais feliz do mundo!” Slogan mais Kafkiano seria difícil.