Em 2001, o mundo mudou. Mas além do choque, cada uma das nossas vidas individuais não afectadas directamente pelo terrorismo continuou a experimentar novos começos. Nuno Sousa Vieira instalou-se numa fábrica de plásticos desactivada, a Simala, que tomou como ateliê. O que aconteceu desde aí – um fragmento, necessariamente – está agora disponível para o público.
Uma vida inteira tinha inauguração agendada para este sábado (cancelada devido ao luto nacional pela morte de Jorge Sampaio) no Banco das Artes Galeria (BAG), em Leiria, com cerca de 100 obras que percorrem aproximadamente 20 anos. De 2001 a 2021. E é, possivelmente, das maiores exposições de sempre de Nuno Sousa Vieira. No mesmo dia, 11 de Setembro, fica também cancelada, pelo mesmo motivo, a abertura no Museu de Leiria do último núcleo do artista no âmbito da exposição Plasticidade, com o título Quando o chão nos foge dos pés.
No entanto, apesar do cancelamento do acto formal da inauguração, as duas exposições estão abertas ao público desde hoje.
Uma vida inteira inspira-se na tese de doutoramento defendida em 2016. Que inclui três peças, patentes no BAG. E em que Nuno Sousa Vieira explora semelhanças entre as salas de exposição que se encontram na indústria e no meio artístico, com objectivos da mesma natureza.
No BAG, com curadoria de Ana Rito, reúnem-se maquetes, desenhos, esculturas, fotografia, instalação, vídeo e performance. E a sala de exposição da Simala, representada várias vezes, é o ponto de partida e o lugar de regresso, torna-se ateliê e obra.
Ao aproveitar como material de trabalho o antigo edifício da fábrica de plásticos, onde ele e o pai trabalharam, Nuno Sousa Vieira está, também, com elementos de produção industrial reinterpretados numa galeria, a comentar o modo como nos organizamos, em comunidades políticas, sociais e económicas.
“Vivemos num mundo superpovoado. De objectos, de imagens, de coisas. E estamos permanentemente a descartar. Esta ideia de que deixamos coisas de fora para seguir vivendo. Eu quero reintroduzi-las”, explica ao JORNAL DE LEIRIA. “É olharmos para uma coisa num determinado contexto e olharmos para essa mesma coisa num outro contexto e percebermos como é que ela altera. De algum modo, é exactamente o que nos acontece a nós”.
No processo criativo de Nuno Sousa Vieira, nada está finalizado. Só conhecemos uma parcela do todo e cada indivíduo completa-se no colectivo. “A ideia de trabalho está inerente na nossa construção social. Nós primeiro trabalhamos e depois descansamos”, refere. No BAG, será projectado o vídeo de um trabalhador, do amanhecer ao pôr-do-sol, que se repete, sempre igual, sem que tenhamos acesso ao que se passa nas horas de lazer.
Ao longo da exposição, conceitos aparecem em diferentes momentos e localizações, de diferentes formas, dialogam entre si e com o público. Porque é preciso estarmos atentos aos outros para os entendermos. “A arte não tem a capacidade de alterar o mundo”, mas, “mostra-nos a realidade”. E pode torná-la diferente.
“A cultura é o que fazemos naturalmente para nos aproximarmos uns dos outros”, aponta Nuno Sousa Vieira. “É uma metáfora da própria existência, é para ensaiarmos processos de civilização e de entendimento uns com os outros”.
Estava previsto que a inauguração de Uma vida inteira tivesse início na rua, junto a uma peça com três metros de altura, que começou a ser projectada em 2001, com Nuno Sousa Vieira a subir ao tecto da estrutura para ler um texto, na primeira de quatro performances pensadas para este sábado e que o artista acabou mesmo por realizar.
Nota: Notícia actualizada às 18:15, com informação da performance do exterior.