Há cinco anos, Liliana Pereira dispensou o uso carro para as suas deslocações diárias. A morar nos Marrazes e a trabalhar na cidade de Leiria, com paragem de autocarro à porta de casa e do emprego, adoptou o Mobilis como transporte, por entender que “não faz sentido ter um automóvel para estar 90% do tempo parado”.
O problema reside nas deslocações fora dos “horários mais convencionais”, seja para ir ver um espectáculo à noite ou para ir dar um passeio à cidade ao domingo ou ao fim-de- -semana. “Só a pé, de boleia… ou ficar em casa”. Inconformada com as opções, Liliana Pereira pôs mãos à obra.
Começou pela via oficial. Mandou um email à câmara a defender o alargamento dos horários do Mobilis à noite e ao fim-de-semana. A resposta não foi aquela que desejava. “Que não era possível, porque havia um contrato de concessão que não permitia. Contudo, se houvesse muita procura, talvez se conseguisse esse reforço”, conta.
Era, então, preciso, “demonstrar” que o alargamento de horários era “do interesse” dos munícipes. Nesse sentido, pôs a circular uma petição, a reclamar o alargamento dos horários do Mobilis. O documento, subscrito por cerca de mil pessoas, foi apresentando à Assembleia Municipal no final de Novembro, tendo sido agendada a sua votação para a sessão seguinte, realizada na última sexta-feira. Nesse espaço de tempo, a [LER_MAIS]câmara anunciou o aumento da oferta do Mobilis que, desde o passado dia 8, passou a circular aos domingos e feriados, registando-se também um reforço do serviço ao sábado.
Para já, e avaliar pela experiência do JORNAL DE LEIRIA, que viajou no Mobilis no primeiro fim-de-semana em que foram implementadas as alterações, os novos horários ainda não seduziram os utentes (ver texto ao lado), mas tanto Liliana Pereira como Luís Lopes, vereador responsável pelo pelouro da mobilidade, acreditam que a utilização irá crescer.
“Se as pessoas perceberem que é vantajoso, vão aderir. No domingo, usei o Mobilis e quando cheguei à cidade e vi o caos que estava no trânsito e pude sair onde quis, sem ter de me preocupar com estacionamento, fiquei grata por isso”, confessa Liliana Pereira, que considera o reforço agora anunciado “um bom começo”.
Os números
9,05
com viagens ilimitadas. O passe
3.ª idade, para pessoas com mais
65 anos, custa 6,05 euros. O
bilhete único custa 1,35 euros
637
Mobilis no feriado do dia 8 e no
último fim-de-semana, o primeiro
depois das alterações aos horários
Alterações estavam “validadas” desde 2019
De acordo com as alterações introduzidas, há agora mais horários ao sábado e o Mobilis passou a circular aos domingos e feriados em oito das nove linhas. De fora, fica o serviço uMOB, “por não existirem aulas no Politécnico de Leiria nesses dias”, refere uma nota do município, frisando que a oferta “é proporcional à procura registada nas diferentes linhas durante a semana”.
O vereador Luís Lopes sublinha, no entanto, que haverá uma monitorização do serviço e que a oferta poderá ser ajustada em função da adesão. “Em algumas linhas poderá haver reforço. Noutras, redução, se de todo não se justificar”, avança o autarca, explicando que as alterações agora introduzidas “já estavam validadas” pela Autoridade de Mobilidade e Transportes desde 2019.
“A pandemia e as limitações impostas ao uso do transporte público daí decorrentes atrasaram o processo. Mas o trabalho estava feito”, refere o autarca, para justificar a celeridade com que a câmara respondeu aos apelos da petição, anunciando as alterações ainda antes do documento ser discutido e aprovado em Assembleia Municipal. A votação teve lugar na sexta-feira, com as recomendações do documento a reunirem o aplauso unânime dos eleitos, com várias bancadas a reconhecerem que o reforço anunciado é bom, mas não chega. A mesma avaliação fazem os utentes.
Liliana Pereira, por exemplo, insiste na necessidade de horários nocturnos, do reforço da periodicidade com que passam as viaturas e da criação de faixas dedicadas a autocarros – os designados corredores bus -, para “evitar que os autocarros fiquem presos no trânsito”. A falta de informação dos horários é outra das falhas apontadas pelos utilizadores, havendo ainda quem defenda a implementação de novas rotas ou o alargamento das existentes.
“Será que a linha que serve a Zicofa [zona industrial da Cova das Faias] não pode ser alargada ao centro da Boa Vista, que fica a um quilómetro?”, questiona José Domingues, residente naquela freguesia.
Liliana Pereira sugere ainda o alargamento do Mobilis ao Planalto e o reforço de horários na linha que serve as Cortes, que tem “apenas quatro ligações” nos dias úteis. “Não responde às necessidades dos utilizadores, que são obrigados a recorrer ao transporte público”, afirmou a utente, durante a sessão da Assembleia Municipal.
Câmara vai elaborar estudo
No decorrer do debate da petição, Margarida Sá, que falou em nome da bancada do PSD, considerou que a decisão de alargar o Mobilis aos domingos e feriados “peca por tardia” e defendeu outras melhorias ao sistema. No seu entender, é importante “aumentar a frequência” dos autocarros, “rever circuitos”, criar mais paragens e novas linhas e disponibilizar informação “real do tempo de espera”, acessível através de aplicação para telemóvel.
Por seu lado, Manuel Azenha, eleito pelo Bloco de Esquerda, vai mais longe, propondo a “municipalização do Mobilis”, que permita uma “articulação da rede com as freguesias e até com os concelhos vizinhos”. A convicção de Margarida Sá é que a melhoria da rede “vai atrair mais passageiros e, consequentemente, reduzir o tráfego automóvel”.
Foi, aliás, isso que aconteceu com a última grande reformulação do sistema Mobilis, implementada em 2016 e que contemplou o alargamento da rede a novas zonas, como a Gândara, Telheiro, Vale Sepal e Quinta do Alçada. Um ano depois, o sistema tinha registado um aumento de passageiros na ordem dos 10%, tendência que se manteve no ano seguinte, com o Mobilis a registar 960 mil transportes em 2018.
Em reposta às intervenções dos deputados, o presidente da câmara, Gonçalo Lopes assumiu que o município “não está satisfeito” com a oferta disponível e que pretende melhorá- la. “No prazo de um ano, teremos um estudo com novas propostas para o serviço público de transportes”, prometeu.
Ao JORNAL DE LEIRIA, o vereador da mobilidade explica que esse estudo irá apresentar soluções ao nível do reforço de linhas e horários, mas também para faixas bus, ciclovias e uso de bicicletas e de outros modos suaves de mobilidade. “Queremos validar opções já estudadas no passado e avaliar outras, para traçarmos um plano para a próxima década, para que possamos tomar decisões sustentadas. O objectivo é que o que vier a ser implementado seja uma solução e não mais um problema”, afirma Luís Lopes.
Reportagem
Autocarros quase vazios e paragens sem informação
No primeiro fim-de-semana em que passou a vigorar o alargamento dos horários da rede Mobilis, o JORNAL DE LEIRIA foi experimentar várias linhas para perceber o grau de adesão dos passageiros ao novo serviço e, na maioria dos autocarros em que viajou, teve como companhia apenas o motorista, em grande parte dos percursos. Uma das escolhas foi a Linha 5, entre a Zicofa e o Largo José Lúcio da Silva, em Leiria, um percurso estimado em cerca de dez minutos. O horário escolhido para a descida à cidade, no passado sábado, foi o das 16:52 horas, que deveria chegar às 17:10 ao destino.
A paragem da Rua Outeiro do Pomar estava deserta. Chegaram as 16:52 horas, passaram as 17:02 e o autocarro não aparecia. Às 17:12 horas, o Mobilis chegou e o motorista, imediatamente, pediu desculpas pelo atraso, imputando-o ao caos no centro de Leiria, provocado pela animação natalícia e corte de ruas.
Com o autocarro vazio – apenas uma passageira tinha feito o caminho inverso -, reconheceu a mais-valia que é o Mobilis e lamentou que a cidade ainda não tenha vias de BUS, pelo menos “nos locais estratégicos”, o que, acredita, aceleraria as viagens nas horas de ponta.
No regresso à Zicofa, às 19:10 horas, verificámos que, em nenhuma das três paragens, no largo do teatro, há referências às linhas ou horários afixados, uma lacuna registada na generalidade das paragens do Mobilis.
Ainda no sábado, testámos também a Linha 8, que liga Leiria às Cortes, com saída às 16:15 horas do Terminal Rodoviário. O autocarro, com capacidade para 15 passageiros sentados, foi vazio até à Rua Aboim Lopes Vieira, onde recolheu uma jovem, a única utente em todo o percurso de ida e volta. No domingo, a opção recaiu sobre a Linha 1, no sentido Estação.
À chegada à Estrada da Estação, por volta das 13.10 horas, o autocarro vinha sem passageiros e assim se manteve até chegar à paragem junto à Câmara Municipal, onde apanhou um jovem que saiu mais à frente, junto ao Campus 2 do IPL. Aí entraram mais três passageiros, e, mais à frente, já na Guimarota, subiram mais cinco pessoas, todas com passe. A chegada ao centro da cidade, junto à Loja do Cidadão, verificou-se às 14:05 horas.
JSD/FP