“Viver em Leiria” é o título de uma crónica escrita em Dezembro por Fernando Ribeiro, dos Moonspell, a banda fundada na Brandoa, Amadora, que está a celebrar três décadas de carreira e actua sábado, 26 de Fevereiro, no Teatro José Lúcio da Silva, com after party e dj set na discoteca Stereogun.
Como sobreviver a 30 anos de estrada no lado mais duro do rock? Os Moonspell, que somam 13 álbuns de originais em estúdio, voltam a responder do palco no próximo fim-de-semana, mas o vocalista, letrista e principal rosto do colectivo que lidera o metal gótico português, com estatuto de peso pesado no circuito internacional e digressões nos cinco continentes, avança uma primeira hipótese: “Trabalhamos muito, mas também trabalhamos bem, e cada vez trabalhamos mais em qualidade”.
No texto publicado no JORNAL DE LEIRIA, no final do ano, Fernando Ribeiro destaca os pontos de contacto com a cidade capital de distrito: a associação Fade In, o festival Entremuralhas, a loja Alquimia, o editor Pedro Vindeirinho e a Rastilho, o designer João Diogo, a barbearia Dr. Barber onde descontinuou a “guedelha de 30 anos”, a livraria favorita (a Arquivo) e o psicólogo, actor e encenador João Lázaro.
“Não sendo a minha casa, Leiria não deixa de ser como uma casa para mim”, conclui, numa reflexão que inicia com uma certeza: “Se algum dia a vida mudar, já decidi que venho morar para Leiria”.
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Por enquanto, continua a residir em Alcobaça, tal como o baixista Aires Pereira, que já viveu no Terreiro. Em Leiria, mora o pai do teclista Pedro Paixão e organizam-se muitos dos interesses dos Moonspell, que partilham a gestão do catálogo e do merchandise com a Rastilho de Pedro Vindeirinho, sócio na editora Alma Mater, em que também está João Diogo.
A banda responsável por incluir no metal gótico referências da mitologia e da cultura portuguesa, de Fernando Pessoa a Mário Cesariny, acaba de chegar de Inglaterra, onde durante dez dias contou com outro leiriense, Nuno Filipe (The Allstar Project, Sean Riley & The Slowriders, Born a Lion, Phase), como técnico de som.
“Não posso deixar de admirar a cena leiriense”, diz Fernando Ribeiro ao JORNAL DE LEIRIA. “Tem algo diferente, algo profundamente alternativo, em que nos encaixamos”. E sublinha: “De toda a gente que conheço de Leiria, não há ninguém que queira mudar de lá, isso quer dizer alguma coisa”.
Com os Moonspell, Pedro Vindeirinho diz já ter vivido “um pouco de tudo”, a partir do momento em que os caminhos se cruzaram na digressão Sombra. “Desde fazer o Graspop na Bélgica e chegarmos ao aeroporto e termos bandeiras e fãs à espera, até um festival no México, onde estivemos com o José Luís Peixoto”.
Cada tournée internacional, sobretudo para quem não vai a todas, “é uma experiência muito diferente”, que proporciona “histórias e algumas aventuras”, inevitáveis no contexto.
“Foram marcantes e deu para perceber que são um banda extremamente respeitada”, assinala o fundador da Rastilho, com um exemplo: a convivência e partilha do backstage entre os Moonspell e membros de Megadeth ou Black Sabbath.
“Neste circuito mais alternativo do rock, eles são o maior nome português no estrangeiro, de todos os tempos. Acho que só há comparação, mas num circuito obviamente diferente, com os Madredeus”. E o líder Fernando Ribeiro revela-se, para Pedro Vindeirinho, “uma pessoa especial”, que “faz muito pela música portuguesa fora de portas”. Um “embaixador”, suportado em milhares de discos vendidos.
A relação com a Rastilho começou com o objectivo de produzir e comercializar merchandise dos Moonspell, evoluiu para uma loja online e em 2016 originou a editora independente Alma Mater, com logística e expedição em Leiria, inicialmente para gerir o catálogo da banda, em novos lançamentos no formato CD, LP e cassete, dado que vários registos se encontravam indisponíveis no mercado, depois, também, para editar livros e sobretudo outras bandas, quer nacionais quer internacionais. Entre outros, os ingleses Paradise Lost.
Fernando Ribeiro é o CEO, além de A&R, João Diogo o coordenador do departamento gráfico e Pedro Vindeirinho o gestor de produto. “Já vamos com 35 edições”, adianta. “70% das vendas são exportação”.
Da Alma Mater saíram, entretanto, edições especiais exclusivas para os últimos álbuns de estúdio dos Moonspell, incluindo Hermitage, de 2021. Um conhecimento profundo que leva Pedro Vindeirinho a arriscar a fórmula para 30 anos no topo: “Bons discos, acreditarem no que fazem, uma gestão de carreira criteriosa e inteligente, trabalho, persistência e ambição”.
Do percurso dos Moonspell desde o CD de estreia, Wolfheart, fica a colaboração com o escritor José Luís Peixoto em The Antidote (2003) e a versão do tema Os Senhores da Guerra, de Madredeus (Darkness and Hope, 2001), entre muitos momentos que expõem a capacidade de esculpir um conceito sem constrangimentos criativos.
“São e sempre foram uma referência e um colosso, tanto cá dentro como lá fora, pelo ecletismo e pela qualidade com que revestem o meio em que se movem. São uma banda visionária e super inteligente com uma capacidade notável de se reinventar e surpreender a cada álbum”, afirma João Diogo. E sabe do que fala: além de colaborador, segue-os desde a primeira hora. “Sou fã incondicional desde o início. É por isso que poder, de alguma forma, colaborar com a banda representa um marco e uma conquista para mim. Foi necessário trabalhar muito e esperar praticamente 20 anos para o encontro e a oportunidade surgir. Sentia que estava predestinado, mas tive muita sorte e estou profundamente grato pelo tremendo voto de confiança”.
O trabalho de João Diogo – iniciado no EP Opium – envolve artwork e design, merchandise, material promocional ou material para o palco e está associado aos álbuns Hermitage, 1755, Memorial, The Butterfly Effect e Irreligious. É a perpectiva que o faz prever uma longa vida para os Moonspell e para a respectiva alcateia. “Chegam aos 30 anos a soar melhor do que nunca e acredito que ainda têm muita estrada pela frente”.