Numa entrevista com respostas recolhidas por correio electrónico, os membros do colectivo Moscow Death Brigade, conhecido pela mensagem anti-fascista, falam sobre a guerra na Ucrânia, o contexto social e político na Rússia e a situação dos artistas que se opõem ao regime.
A banda russa, com ligações ao punk, hip-hop e música electrónica, tem concerto marcado no Texas Bar, em Leiria, esta quarta-feira, 6 de Abril, numa data única em Portugal, entre os espectáculos de Vigo e Madrid, integrada numa digressão com 29 datas em sete países.
Contam, por exemplo, que os primeiros concertos que deram, no início da carreira, foram regularmente atacados por neo-nazis e alvo de rusgas pela polícia.
Os músicos dos Moscow Death Brigade vivem em Moscovo e na equipa que os acompanha têm elementos da Bielorrúsia, Polónia e Reino Unido. Dizem esperar que amigos ucranianos se juntem a eles durante a tour.
O vosso trabalho e agenda foram afectados de algum modo pela guerra na Ucrânia?
Somos afectados a um nível pessoal. A guerra é uma tragédia e temos muitos amigos na Ucrânia e alguns de nós têm familiares lá. Obviamente, de maneira alguma somos tão afectados como a população na Ucrânia, que é apanhada numa zona de guerra. Os povos de ambos os países sempre mantiveram laços fortes, apesar dos esforços propagandistas de ambos os governos. Muitas pessoas na Rússia têm familiares na Ucrânia e vice-versa. A nossa agenda enquanto banda permaneceu igual. Sempre tivemos uma forte mensagem anti-guerra e anti-militarista.
Consideraram a hipótese de não realizar esta digressão?
Está tudo a decorrer de acordo com o plano, mantivemos todos os concertos e alguns deles já estão esgotados em pré-venda. O nosso público e as pessoas com quem trabalhamos sabem que a nossa banda sempre teve uma posição forte anti-guerra, anti-autoridade e anti-violência. Muitos dos nossos fãs escreveram-nos que estão felizes por a tour acontecer, dado que em tempos sombrios como estes vêm isso como um símbolo de paz e unidade. Em conjunto com a nossa label na Alemanha, Fire And Flames Music, lançámos t-shirts solidárias e todos os lucros revertem a favor do colectivo de voluntários alemão Taxi For Solidarity, que ajuda refugiados oriundos da Ucrânia, fornecendo autocarros para os transportar para a Europa desde a fronteira com a Polónia, além de alimentação e alojamento. Já lhes entregámos 2.000 euros e vamos continuar a angariar dinheiro. Quando ainda estávamos na Rússia, antes de partirmos em digressão, doámos bens para refugiados que fugiram para a Rússia dos combates na região do Donbas. Ficamos felizes por em conjunto com os nossos fãs e camaradas termos a possibilidade de ajudar pessoas inocentes apanhadas no pesadelo da guerra, não importa de que parte do país eles estão a fugir.
Por serem uma banda russa no actual contexto, sentiram-se cancelados, criticados ou atacados?
Até agora, não experienciámos qualquer negatividade. Acreditamos que os nossos fãs, as pessoas com quem trabalhamos e as pessoas que conhecemos nesta tour são indivíduos de mente aberta que compreendem que julgar as pessoas pelo país onde vivem ou pelas acções dos respectivos governos é racismo flagrante, chauvinismo e uma tentativa de implicar responsabilidade colectiva. Os nossos fãs sabem que não podemos sequer dar concertos na Rússia há anos.
Que opinião têm sobre esta guerra?
Como já dissemos, a guerra é uma catástrofe e atacar civis, matá-los e destruir habitações não tem justificação. Isto é válido para esta guerra e para qualquer outra guerra. Há anos que organizamos iniciativas de beneficiência que angariam dinheiro para refugiados que fogem da guerra em diferentes partes do mundo, por exemplo, a favor do Sea Watch, um colectivo internacional que salva vidas de refugiados do Médio Oriente no mar Mediterrâneo.
O que pensam de Vladimir Putin e da elite russa?
Não conseguimos imaginar uma banda punk ou underground que tenha alguma simpatia pelo respectivo governo ou qualquer outro governo, por isso, que resposta podem esperar de nós? Não somos fãs de governos e em geral de estados porque muitos deles são responsáveis por guerras, processos de colonização, roubos e violações de nações inteiras, enquanto a propaganda deles tudo encobre. Mas já que estamos a falar do “nosso” governo e elite política, é difícil negar que são corruptos e responsáveis por pobreza, abusos de direitos humanos e opressão no nosso país e agora estão a atacar outro país e a matar pessoas inocentes.
A Rússia é um país onde, enquanto cidadãos e artistas, se podem expressar com total liberdade?
Bem, a Moscow Death Brigade está numa lista negra há anos devido às nossas posições anti-autoridade e não podemos dar concertos na Rússia. É um bom indicador de como as coisas funcionam. As pessoas são perseguidas por expressarem crenças e ideais. Por exemplo, há uma forte propaganda homofóbica. É por isso que tentamos apoiar organizações de voluntários no nosso país que suportam pessoas de grupos vulneráveis. Por exemplo, angariámos dinheiro para o fundo voluntário Sisters.Help que apoia sobreviventes de abuso sexual e violência doméstica.
Alguma vez sofreram retaliações, na Rússia, por causa da vossa música e letras?
Começámos a banda no tempo em que os neo-nazis eram realmente fortes na Rússia, constantemente atacavam ou mesmo matavam imigrantes e representantes de minorias da cena punk, enquanto as autoridades ignoravam os crimes deles ou até os apoiavam. Queríamos mostrar-nos contra isso e desde o primeiro dia expressámos uma forte posição anti-fascista, anti-militarista e anti-autoridade. Os nossos espectáculos e outros concertos de punk rock foram regularmente atacados por neo-nazis e alvo de rusgas pela polícia. Ser anti-fascista naquele período em Moscovo era quase suicida, daí termos escolhido o nome Moscow Death Brigade. Muitos dos nossos concertos acabaram em gigantescos tumultos. Após alguns anos, demos por nós numa lista negra do governo, que tornou praticamente impossível dar concertos na Rússia. A situação com os neo-nazis não é tão má na Rússia desde há uns anos, o principal problema agora é a opressão das autoridades.
Apresentam-se de cara tapada. Porquê?
É uma parte da imagem geral da banda. Viemos do activismo de rua e temos antecedentes no graffiti, estes balaclavas são uma homenagem a isso. As máscaras e os nossos fatos de treino são uma parte da maneira como a banda se apresenta: a imagem, a música, a mensagem. Quando dávamos concertos na Rússia, não tínhamos máscaras, mas quando começámos a usá-las, fomos a primeira banda a fazê-lo. Agora tornou-se tendência entre músicos de várias partes do mundo.