Cinco anos depois da reabertura nas actuais instalações, o Museu de Leiria acumula mais de 71 mil visitantes e espreguiça-se frequentemente para fora dos limites do Convento de Santo Agostinho, em projectos que são braços esticados ao encontro da cidade, enquanto dentro de portas se inventa como espaço vivo e multimédia, onde as crianças brincam no claustro como no recreio das escolas mais próximas, investigadores e escritores conferenciam na Sala do Capítulo e bailarinas, actores e músicos se revezam num palco improvisado no meio de paredes com centenas de anos.
Em 2021, entre outras novidades, está prevista a renovação mais efectiva da exposição de longa duração desde a inauguração do Museu de Leiria no Convento de Santo Agostinho, no dia 15 de Novembro de 2015, ou seja, novos conteúdos e museografia, novas temáticas e novas peças na chamada exposição permanente, que, na verdade, vem apresentando mutações e actualizações ao longo do tempo.
Serão adicionados ao percurso assuntos e objectos antes indisponíveis. É o caso de materiais sobre comunidades neolíticas entretanto sujeitos a estudo e restauro, de peças seleccionadas da colecção de vidros e de algumas obras retiradas da reserva que vão surgir em relação com outras já conhecidas do público, a começar por duas pinturas da autoria de Josefa de Óbidos a posicionar com um quadro assinado pelo pai, Baltazar Gomes Figueira, que já se encontra na exposição de longa duração.
A seguir, entrarão trabalhos de Adriano de Sousa Lopes.
Outro núcleo a ser preparado é fruto das escavações no Convento de São Francisco, que, segundo Vânia Carvalho, coordenadora técnica do Museu de Leiria, produziram “resultados incríveis”, dada a qualidade, diversidade e estado de conservação do acervo arqueológico colocado a descoberto.
“E se tudo correr bem vai ser possível estabelecer um diálogo inclusive com o edifício Moagem Heritage e manter algumas peças lá”, adianta.
Acrescentar, construir, numa lógica de evolução na continuidade no Museu de Leiria prevista desde a primeira hora. Como quem substitui palavras e frases numa narrativa.
“Podemos não gostar da exposição de longa duração, isso não é nada difícil. Daqui a 10 anos outra equipa pode vir e substitui. Isso é substituir vitrines, é substituir tabelas, é substituir iluminação”, argumenta Vânia Carvalho. “O que interessa é ter peças salvaguardadas para o poder fazer e contar outra história. Quando falamos de um museu, esse museu não é uma galeria, não são as peças que estão numa vitrine e que têm uma tabela ou que têm um determinado discurso. É tudo o que está no coração do museu, que são as suas reservas. Porque a história que eu conto agora não é a mesma que vai ser contada daqui a 10 anos. A equipa não é a mesma, as pessoas não querem ouvir a mesma história e não é contada da mesma forma”.
Exposição Jorge Estrela
Arte, numismática e arqueologia montam a viagem que o Museu de Leiria propõe pelo território e identidade de Leiria, desde a pré-história habitada pelo Menino do Lapedo aos meandro artísticos que no século XX viram emergir Lino António, Alex Gaspar ou Sérgio Luís, sem esquecer as novas expressões de cultura que continuam a manifestar-se, agora num novo milénio.
Também em 2021, provavelmente no Verão, será inaugurada uma exposição temporária acerca do historiador de arte Jorge Estrela e do papel que teve no estudo, restauro e classificação da colecção de pintura que hoje faz parte do Museu de Leiria.
Outro objectivo para o próximo ano passa por facilitar a interpretação em circuito expositivo do Convento de Santo Agostinho, que começou a ser construído no final do século XVI. E há o desejo de restabelecer a ligação, no piso térreo, que permite a circulação entre o Museu de Leiria e a Igreja de Santo Agostinho.
Ainda em 2021, a equipa do Museu de Leiria pretende investir numa maior digitalização das colecções e aumentar a acessibilidade do que está exposto e do que permanece em reserva.
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Parcerias e artes
Nos últimos cinco anos, o Museu de Leiria “tornou-se uma espécie de salão nobre da cidade”, afirma Vânia Carvalho, numa alusão aos concertos, palestras, espectáculos e eventos que ali ocorrem.
A programação é responsável por um terço das entradas anuais.
Está previsto que em 2021 a Sala do Capítulo ganhe melhores condições térmicas e técnicas, no quadro de intervenções pontuais para optimização das zonas de trabalho e acolhimento no Museu de Leiria.
Dos 71.143 visitantes desde 15 de Novembro de 2015, 78% beneficiaram de acesso gratuito e 93% são portugueses, a maioria de Leiria ou da região. Devido ao confinamento, o Museu esteve encerrado entre 16 de Março e 24 de Maio.
Com défice de recursos humanos e de espaço, o Museu de Leiria vai continuar a apostar em parcerias que levam obras e exposições para o exterior.
“Podemos sempre ver para fora daquilo que são as nossas paredes”, diz Vânia Carvalho, que também quer assegurar a continuidade da programação de artes e espectáculos.
Se, segundo a arqueóloga, “o museu que só está preocupado que as suas colecções sejam vistas no seu espaço “sacralizado”, está morto neste momento”, por outro lado, sublinha, “um museu silencioso é um museu sem visitantes e sem vida”.
Parto difícil e vida atribulada
Ideia semeada ainda durante a monarquia liberal, o Museu de Leiria só é criado em 15 de Novembro de 1917 como Museu Regional de Obras de Arte, Arqueologia e Numismática de Leiria. Deve-se ao esforço persistente de Tito Larcher, primeiro conservador.
Depois de um parto difícil, sofreu uma vida atribulada e ocupou diversos espaços na cidade. Fechado em 1948, reabriu em 1961 para voltar a encerrar em 1968.
A inauguração no Convento de Santo Agostinho aconteceu a 15 de Novembro de 2015 após um investimento de aproximadamente 3 milhões de euros, comparticipado em 85% por fundos comunitários. A intervenção decorreu entre 2009 e 2015, coordenada pelo arquitecto João Pancada Correia.
Os serviços de implementação, desenvolvimento e concretização do trabalho de concepção da estratégia museológica e museográfica ficaram a cargo da empresa ArqueoHoje.
Hoje há prémios. E o Museu de Leiria pode voltar a somar
Serão conhecidos hoje, quinta-feira, ao final da tarde, os vencedores dos Prémios APOM 2020 atribuídos pela Associação Portuguesa de Museologia, que constituem, anualmente, o auge do reconhecimento e da celebração em torno dos museus portugueses. E a equipa do Museu de Leiria, já distinguido várias vezes em Portugal e no estrangeiro, pode voltar a festejar.
A contribuir para avolumar as expectativas está o mais recente prémio obtido pelo Museu de Leiria, o Dibner Award for Excellence in Museum Exhibits. Entregue em Outubro de 2019, na cidade italiana de Milão, pela Society for the History of Technology (SHOT), reconhece a exposição Plasticidade – Uma História dos Plásticos em Portugal, que se tornou a segunda exposição no nosso País, desde 1987, a merecer o prémio com que a SHOT sinaliza a excelência na interpretação da história da tecnologia, da indústria e da engenharia para o público generalista.
A exposição Plasticidade – que continua patente no Convento de Santo Agostinho – não recebeu até à data qualquer prémio APOM.
Venha ou não a figurar na lista que a Associação Portuguesa de Museologia irá anunciar esta quinta- feira, o Museu de Leiria reúne já uma quantidade importante de galardões, de que os primeiros, todos referentes a 2016, são a menção honrosa na categoria Acessibilidade Física no âmbito do Prémio Acesso Cultura, a menção honrosa na categoria Melhor Museu dos Prémios APOM, o Prémio Concelho Mais Acessível do Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) e o Prémio APOM na categoria Melhor Trabalho de Museografia.
Seguiu-se, em 2017, um momento alto: a conquista, em Zagreb, na Croácia, do Silletto Prize, criado em 2011 pelo European Museum Forum (EMF), com o júri a elogiar o trabalho excepcional do Museu de Leiria e do Município no envolvimento da comunidade, guiado por visão, entusiasmo e compromisso – Portugal aparecia assim, pela primeira vez, entre os vencedores do Silletto Prize.
Em 2018, o Museu de Leiria acedeu ao certificado de membro do Excellence Club da organização The Best In Heritage, com sede na Croácia.
E já em 2019, no mês de Maio, numa cerimónia realizada no Teatro Miguel Franco, em Leiria, chegou o Prémio APOM na categoria Projecto Internacional, pela organização da conferência O Menino do Lapedo: 20 Anos Depois e de uma exposição na Croácia sobre o mesmo tema.
Crise pandémica com artes ao vivo, novos vídeos e visitas virtuais
Um museu vivo, um museu que vai fora das fronteiras físicas. E que se adapta aos efeitos da crise pandémica. Com uma programação cultural regular que convoca diversas linguagens artísticas, o Museu de Leiria existe cada vez mais, também, no espaço digital.
Além de visitas guiadas em vídeo, e de outros vídeos, um deles pelo colectivo Casota, há uma visita virtual a três dimensões que recria a sensação de caminhar nos corredores do Convento de Santo Agostinho e até permite espreitar os terraços e as áreas de trabalho, habitualmente não acessíveis.
Para chegar, virtualmente, ao Museu de Leiria, pode ir-se através do Facebook (link no separador Sobre da página do Museu) ou pelo endereço vrbox.io, procurando Mapa no menu do site. Ali se encontram outras visitas virtuais em Leiria: Casa dos Pintores, Igreja da Misericórdia, m|i|mo e Moinho do Papel, por exemplo.
A programação cultural – intercalada com encontros académicos e científicos e eventos de entidades terceiras – tem sido marca do Museu de Leiria. Concertos, lançamento de livros, oficinas para pais e filhos, dança ou teatro são opções frequentes no Convento de Santo Agostinho.
Na oferta actualmente activa, constam as performances Exposição Dançada por Inesa Markava, as histórias de O Ponto do Conto, animadas por Luís Mourão, o espectáculo de marionetas da companhia Valdevinos e – ambas com a SAMP – as performances Plasticidade: Sons em Movimento e as oficinas pedagógicas O Rebelde do Lapedo.
Anabela Graça, vereadora da Cultura, fala sobre os novos museus
Que objectivos tem o Município para o Museu de Leiria?
O Município pretende que o Museu de Leiria se torne cada vez mais acessível, participativo e inclusivo. Que os leirienses, e que todos aqueles que visitem Leiria, o tenham como um dos espaços museológicos de referência na região, e um espaço inovador de descoberta sobre a história e identidade regionais. Outro objectivo é garantir a salvaguarda das coleções que lhe estão confiadas, reforçando-se o investimento na sua conservação e restauro e na sua exposição. Este é um acervo que necessita ainda de muitos cuidados, e que se tem vindo a mostrar ao público através de exposições temporárias de média duração, quer no museu quer noutros espaços da rede museológica e patrimonial concelhia.
Como estão os processos relacionados com o Museu da Indústria e o Museu de Arte Sacra?
O projecto Museu da Indústria encontra-se numa fase inicial de estudos preparatórios com vista à definição de um programa preliminar que possa alicerçar a criação do programa museológico e fases subsequentes, pretendendo- se que venha a assumir-se como um museu de território, de afirmação e posicionamento de toda a região, com uma forte componente científica e de experimentação, e com incorporação de novas tecnologias. Para que exista um novo núcleo museológico de Arte Sacra, importa garantir que o edifício do antigo Seminário de Leiria (e antigo DRM), possa ser destinado a esse fim. Tal permitiria alargar as áreas afectas ao Museu de Leiria, e ampliar as suas áreas expositivas e de reservas, garantindo melhores condições para as colecções de mobiliário, pintura e escultura, que são na sua maioria de natureza e temáticas sacras.
De que modo essa visão se articula com a candidatura de Leiria a capital europeia da cultura?
Os museus e as demais estruturas interpretativas, enquanto espaços de memória, de salvaguarda e valorização do património cultural e natural, são fundamentais para garantir a afirmação da identidade territorial desta região cultural. O projecto “Museu na Aldeia”, mediado pela SAMP, que está a construir pontes e a colocar em diálogo 13 museus e comunidades de 13 aldeias de concelhos que integram a Rede Cultura 2027, é um dos exemplos de como estas entidades podem ter um papel importante ao nível da intervenção social, cultural e artística no território.