O ensaio ainda vai no início quando Frédéric da Cruz Pires lança a pergunta: “Vamos fazer um espectáculo sobre o quê?” Em minutos, já os utentes da Amitei arriscam representar memórias de outra época, que viveram na Mata dos Marrazes. Bailes, piqueniques, cantigas – “de quem eu gosto, nem às paredes confesso”.
Gracinda, escolhida para encabeçar o elenco, dá o tom: “Os eucaliptos têm mamado a água toda” e os pinheiros “desapareceram”. Se nada mudar, a floresta “está perdida”.
Com idades entre os 60 e os 90 anos, os 15 seniores da Associação de Solidariedade Social de Marrazes são um dos grupos com que o Leirena está a trabalhar ao longo da semana, no contexto do festival Novos Ventos. As apresentações, ao vivo, acontecem no próximo sábado.
“É fácil envolvê-los”, comenta Miguel Mesquita, técnico de animação socio-cultural na Amitei. O teatro é uma proposta frequente na instituição. Favorece “a ligação com o meio” e “a manutenção das relações sociais”, reforça “o bem-estar e a autonomia” e fortalece “a confiança” e “a auto-estima”.
Organizado pelo Leirena, o Novos Ventos chega em 2023 à oitava edição e repete o formato de quatro semanas em quatro freguesias: Marrazes, Arrabal e (pela primeira vez) Regueira de Pontes e Parceiros e Azóia.
O festival arrancou na passada segunda-feira. Além de espectáculos protagonizados por amadores, estudantes e profissionais, promove residências artísticas comunitárias e profissionais.
Em Marrazes, as actividades com crianças, jovens e adultos até à idade maior, que envolvem o agrupamento de escolas, a Amitei, a Filarmónica de São Tiago, o Lar Emanuel e o Redes na Quinta, decorrem entre 12 e 17 de Junho.
Sábado, 17, pelas 21:30 horas, no Auditório da Filarmónica de São Tiago de Marrazes, o Krisálida Teatro (de Caminha) leva a palco a peça Plastikus.
Domingo, 18, as apresentações de teatro comunitário, e de uma curta comunitária, começam às 15 horas na Mata de Marrazes, onde, depois das 17 horas, o programa inclui a estreia de Ligneis, resultado da residência artística de Inês Pinho e Giovanni Concato, estudantes do Instituto Nacional de Artes do Circo de Famalicão, e, ainda, Ad Murmuratio, pelo Asta Teatro, da Covilhã; e, já de noite, A Maior Flor do Mundo e As Pequenas Memórias, uma produção do Leirena. Sempre com entrada livre.
Até 9 de Julho, o festival oferece um total de 35 espectáculos, dos quais 22 serão desenvolvidos durante 22 residências artísticas comunitárias com entidades das freguesias onde o Novos Ventos acontece e três são criações originais a sair de outras tantas residências artísticas para estudantes da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE) do Porto e do INAC de Famalicão.
Os restantes dez espectáculos são produções profissionais da Soon Circus Company, de novo circo, proveniente de Espanha, e dos colectivos portugueses Krisálida Teatro, Asta Teatro, Imaginar do Gigante, Companhia Certa, O Teatrão, Teatro Regional de Montemuro, ESTE – Estação Teatral e Leirena.
“Procurámos dar uma oferta diversificada para um vasto público”, explica Frédéric da Cruz Pires. As apresentações ocorrem em espaços não convencionais. O largo da igreja, uma floresta, entre outros. Em vários espectáculos, o festival contempla audiodescrição, língua gestual portuguesa, folhas de sala acessíveis em multiformato e também a acessibilidade física será cuidada.
Ao todo, o Novos Ventos envolve mais de 200 actores amadores. “Temos todas as gerações representadas, e participam amigos, famílias, vizinhos”, realça o director artístico do Leirena. “É sem dúvida um ambiente de encontro, de festa, de alegria e de descoberta”.
Ano após ano, a organização procura “permitir o acesso a todos aqueles que por questões geográficas, financeiras e de iliteracia cultural não teriam” oportunidade de ir a palco ou sentar-se na plateia, realça Frédéric da Cruz Pires. “Ser um festival agregador e não segregador dá-lhe um brilho que nos enche a alma”.