No passado sábado, cerca de 130 voluntários arregaçaram as mangas para recolher lixo da Praia do Fausto, no Pedrógão. Em duas horas, a brigada, munida de sacos, luvas e grande dose de boa-vontade, retirou mais de meia tonelada de resíduos deste areal do concelho de Leiria. Adultos e crianças, portugueses e estrangeiros, ora mais ora menos experimentados, juntaram-se ao movimento One Piece After Another e à Associação Desportiva Piranha World Fighters de Leiria e trocaram o conforto do sofá pelo trabalho em prol da comunidade.
Exercitam-se, fazem amigos, desfrutam da natureza e, acima de tudo, sentem-se realizados por, pedaço a pedaço, deixarem mais limpa a casa que a todos pertence. O movimento nasceu há cinco anos, avoluma-se e promete continuar a crescer.
Ricardo Machado, de 40 anos, é operário fabril numa indústria de vidro na Marinha Grande e conta que sempre gostou e se preocupou com a natureza. Com a disponibilidade que o trabalho por turnos lhe permite, sempre foi frequente encontrá-lo na praia, a fotografar e a limpar os locais por onde ia passando. “Tenho paixão especial pelas praias [LER_MAIS]e pelo pinhal da nossa região, porque cresci com esta envolvente.”
Em cinco anos, desde que formou o movimento One Piece After Another, a limpeza de praia deixou de ser apenas uma rotina sua para envolver um grupo cada vez maior de voluntários, que com ele partilham preocupações ambientais.
Entre 2019 e 2023, o One Piece After Another foi responsável pela recolha de 13 toneladas de lixo, maioritariamente retirado das praias dos concelhos de Leiria, Marinha Grande, Alcobaça e Nazaré (desde microplásticos até material de pesca de grandes dimensões); mas também do Pinhal do Rei (como velhos colchões, electrodomésticos e restos de material de construção); e uma infindável quantidade de pontas de cigarros, que os voluntários recolheram nas suas acções de Caça à Beata realizadas no centro das cidades de Leiria e Marinha Grande.
O pequeno movimento passou a comunidade. E de comunidade passou a associação, explica Ricardo Machado que, com o apoio de amigos, está a criar uma estrutura mais organizada, que lhe permita sensibilizar mais pessoas e chegar a mais parceiros.
E o que já conseguiu até aqui, com a ajuda de tanta gente, foi algo que nunca imaginou alcançar. Em cinco anos, cerca de 1200 pessoas participaram nas acções de limpeza organizadas pela One Piece After Another, sendo que há um grupo de 30 a 40 elementos que é presença assídua nestas lides. Só em duas grandes acções realizadas já este ano – a de sábado e uma anterior – os voluntários retiraram das praias cerca de uma tonelada de resíduos.
Ao longo dos anos, o movimento foi ganhando parceiros, desde câmaras municipais, juntas de freguesia e várias empresas, que oferecem vouchers de desconto aos participantes, valoriza Ricardo Machado. Ao mesmo tempo, a One Piece After Another tem conseguido mobilizar os voluntários das limpezas de praia para outras causas sociais, seja com a oferta de bens para associações de protecção animal, seja com a entrega de tampinhas para a Constança (criança diagnosticada com Síndrome de Rett e que carece de ajuda para a realização de terapias).
O trabalho desenvolvido por Ricardo Machado tem chegado também às escolas, que o convidam a promover palestras de sensibilização ambiental.
E o que ganha com tudo isto? “Gratificação emocional. Sinto-me bastante realizado”, garante o voluntário.
Piranhas na costa
A acção de limpeza de praia deste sábado partiu da iniciativa dos atletas de kempo, da Associação Desportiva Piranha Worl Fighters de Leiria, que recorreram à experiência de Ricardo para dinamizar o evento.
A ideia surgiu a Vera Simões, atleta e presidente da assembleia dos Piranhas, depois de ter participado com o seu filho Filipe, de 12 anos, também ele praticante de kempo, numa acção de limpeza organizada pelo movimento One Piece After Another com o Grupo Desportivo Recreativo Cultural Unidos de Casal dos Claros e Coucinheira.
“Normalmente, no Verão ou no Inverno, quando passeamos pela praia, em família, já fazemos sozinhos este tipo de recolha”, explica a atleta. Por isso, achei espectacular poder desenvolver esta iniciativa com os Piranhas e com o Ricardo”, refere a arquitecta.
“Cada vez mais é importante que os jovens estejam sensibilizados para este tipo de temas. Hoje vieram atletas e as suas famílias e alguns estão chocados com a quantidade de microplásticos que encontram”, relata Vera. “Nestas coisas, se não se colocar a mão na massa, não é só pela palavra que se muda a atitude”, considera a atleta. “Isto é fazer a diferença. Não só no crescer e na aprendizagem de miúdos, mas também junto dos mais velhos”, entende a dirigente associativa.
Soldados de todas as idades
De olhos postos no areal e de tenaz em riste, Beatriz Rodrigues, de 12 anos, acompanha a mãe, Ema Tereso, coordenadora de formação, que desta vez assume funções de limpeza. O pai também marca presença na praia.
Repetentes nestas acções, mãe e filha mostram-se incomodadas por continuar a ser tanta a quantidade de lixo encontrada na costa. As questões ambientais são abordadas na escola, mas Ema sente que há necessidade de reforçar esta sensibilidade na filha, com aplicação prática.
Por isso, além destas iniciativas em espaços públicos, há lições bem sabidas lá em casa, como separar o lixo para reciclar, poupar água durante os banhos ou a escovagem de dentes, exemplificam Beatriz e a mãe.
Para Conceição Brás, de 66 anos, limpezas deste género não são novidade. Costumava fazê-lo quando era mais nova, com a sua mãe, que vivia na Praia da Vieira. Agora, volta a limpar o areal, incentivada pela filha, Vera Simões. “Garrafas e caricas por todo o lado” demonstram que continua muito por fazer na sensibilização da comunidade, aponta a sexagenária.
Sandra Vieira é uma das primeiras aderentes do movimento criado por Ricardo Machado. Tomou conhecimento da sua causa através das redes sociais, desde logo se reviu no seu tipo de preocupação e, em cinco anos, terá estado presente em quase todas as acções. Sábado, quando celebrava 48 anos, não foi diferente. “Quero deixar as coisas melhores para as futuras gerações”, explica a funcionária pública.
Em comparação com experiências semelhantes que teve nos países nórdicos, Sandra lamenta que os portugueses estejam a despertar para o problema tão tarde. “São comunidades que trabalham sempre a pensar no próximo e nós não temos essa faceta”, constata a voluntária. “Esta é uma maneira de lavar a alma, ajudar o ambiente e conviver”, salienta.
Quem não perdeu a oportunidade de ajudar foi Pedro Couteiro. O surfista de 26 anos, da Marinha Grande, é um dos membros fundadores do Couteiro BoardTeam, outro grupo movido pela paixão pelo mar, pelo desporto e por causas sociais, que tem sido parceiro nas iniciativas da One Piece After Another. “O Ricardo começou primeiro, nós tomámos o gosto e juntámo-nos a ele.”
“Algumas pessoas da minha idade ainda empurram o problema para o canto. Já se vê alguma movimentação, mas pouca face ao que seria necessário”, observa Pedro. “E o mar responde a tudo o que fazemos. É ao mar que vai parar lixo saído de barcos, mas também é ao mar que vai parar aquilo que atiramos pela janela”, alerta o jovem surfista.