Oito obras sonoras, criadas por idosos com a equipa da SAMP – Sociedade Artística Musical dos Pousos. Vão ser apresentadas em público pela primeira vez na próxima quarta-feira, 31 de Julho, no Teatro José Lúcio da Silva. O espectáculo, Reencontros, promete revelar-se “um evento fora do comum”, antecipa Raquel Gomes, com alguns “momentos de só ouvir”, ao longo de hora e meia. E, em palco, entre outros protagonistas, a maior supresa: Maria Campos, 92 anos de idade, baterista, de volta aos ritmos e às baquetas.
Nos últimos meses, com a participação de uma centena de homens e mulheres maiores de 65 anos dos concelhos de Leiria, Marinha Grande e Pombal, a SAMP recriou e gravou os sons que estão guardados no coração e na memória de oito comunidades. As histórias, as tradições, os lugares perdidos no tempo, das descamisadas na eira aos enterros em carreta funerária. E outros ambientes e testemunhos, dos dias de hoje, mais contemporâneos, que também constituem património sonoro e cultural.
20 anos de Novas Primaveras
Na tarde de 31 de Julho, com início às 15 horas, a SAMP comemora no TJLS os 20 anos de outro projecto, o Novas Primaveras, que actualmente envolve 400 seniores de 31 instituições dos municípios de Leiria, Batalha e Ourém. Começou com música, teatro e dança, mas, “hoje, de animação, tem pouco”, diz Raquel Gomes. Evoluiu para uma “forma mais individualizada” de relacionamento com os destinatários que “é fruição da arte” e “bem-estar”, com o propósito de que se sintam “acompanhados”. Pessoas com demência ou em fim de vida, acamados ou pessoas que vivem sozinhas.
A partir do Novas Primaveras, que conta com financiamento das autarquias de Leiria e Batalha, das uniões de freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes, Marrazes e Barosa e das freguesias de Arrabal e da Bidoeira, mais projectos foram nascendo. Por exemplo, o Palco em Casa, o Serão com Avós, o Aqui Contigo, o Museu na Aldeia, o Gerações em Linha e o Sons na Eira. O trabalho da SAMP em lares e hospitais, e nos domicílios, já conquistou vários prémios: Coesão Gulbenkian, Boas Práticas de Envelhecimento Activo e Saudável – CCDRC; Europa Nostra, Caixa Social.
Peças de museu
Agora, no Reencontros, a apresentação das oito peças sonoras desenvolvidas no contexto do Sons na Eira presta homenagem a 20 anos de Novas Primaveras. O projecto que arrancou em Outubro, com apoios das câmaras de Leiria, Marinha Grande e Pombal e da Caixa Social – Caixa Geral de Depósitos, à procura de recuperar sons em vias de esquecimento, mobiliza, por outro lado, o Agromuseu Dona Julinha, o Museu Joaquim Correia e o Museu de Arte Popular Portuguesa. É o prolongamento da dinâmica de co-criação experimentada anteriormente no Museu na Aldeia, com habitantes de povoações rurais e isoladas, em que os museus levaram obras às aldeias e as populações das aldeias criaram novas obras para os museus. Desta vez, os registos sonoros substituem as artes plásticas.
A rainha do jazz
No processo, há vários objectivos. “Que percebam que nesta fase, apesar da idade, ainda podem criar”, aponta Raquel Gomes, gestora de projectos na SAMP. Mas, também, que encontrem pretextos para “sair de casa” e que possam “sentir-se úteis” a “experimentar coisas novas”, enquanto, por outro lado, sentem que estão a “deixar um legado, qualquer coisa que vai ficar para os outros”.
Entretanto, a revelação mais inesperada do Sons na Eira – que prossegue até Dezembro – é talvez o caso de Vieira de Leiria. “A primeira sessão é sempre uma sessão de partilha em que nos apresentamos e eles se apresentam”, explica Raquel Gomes. “E aí descobrimos esta senhora”. Maria Campos, 92 anos, baterista, com ligação ao mundo do espectáculo, noutra época já bem distante, numa família de oito irmãos, todos músicos, tal como o pai. “Formaram uma banda que se chamava Jazz dos Miúdos. Foram até África e fizeram uma tournée”.
Maria Campos, alegadamente, preferia costurar, mas, como os irmãos, seguiu os planos do pai, na música. “Ela diz que [a bateria] foi castigo, porque não queria aprender a tocar nenhum instrumento”, conta Raquel Gomes. “Ainda por cima não é um instrumento qualquer. O que era uma mulher tocar bateria”.
As visitas da SAMP a Vieira de Leiria ganharam um novo impulso. “Na sessão seguinte, levámos uma caixa de rufo. E, depois, na seguinte, uma bateria. E foi extraordinário. Não dá para descrever o rosto dela quando se viu com uma bateria à frente”.
No palco do Teatro José Lúcio da Silva, quarta-feira, a expectativa é que Maria Campos suba ao palco para acompanhar vários temas. Não é a única preciosidade do projecto. “Na Moita da Roda temos um idoso que é um autêntico poeta”, assinala Raquel Gomes. O registo sonoro já tem destino: o Agromuseu Dona Julinha. A intenção da SAMP é que os museus parceiros venham a receber, também, outras obras do Sons na Eira.