Nunca pisou um palco, nem teve nenhuma ligação às artes. Nunca… até aos 98 anos. Irene Oliveira – a Ti Irene como é carinhosamente tratada na aldeia de Peras Ruivas, em Ourém – prepara-se para fazer a sua estreia no teatro, com uma pequena participação na peça Noventa e dois por cento, que o Grupo de Teatro Apollo estreia, este sábado, dia 12, no palco do Teatro Municipal de Ourém (TMO). Ti Irene dará voz à avó da peça, corporizada numa marioneta criada pela ManipulArtes e que ficará em cena durante todo o espectáculo.
Dora Conde, encenadora e actriz, explica que as frases da personagem foram previamente gravadas por Irene Oliveira e ouvir-se-ão durante a peça, no momento das falas da personagem. “Está bom”, atesta a idosa, ao ouvir a gravação com as deixas que serão usadas na peça. Repete, depois, a leitura das frases, que já soube de cor. “Parecia uma criança a estudar para um teste. Lia e relia, para que saísse bem. À terceira gravação ficou feito”, contam as filhas.
No sábado, Irene Oliveira não marcará presença no TMO, mas o seu pensamento estará com a equipa. “Vou pedir por vocês, para que corra tudo bem”, promete, segurando nas mãos os papéis, onde estão escritas as frases da sua personagem, que fazem parte de um bloco de texto da peça que fala da relação de um rapaz com a avó.
Uma homenagem aos avós
“Em termos pessoais, é uma homenagem que faço aos avós, porque tenho uma relação muito forte e especial com os meus”, assume Dora Conde, relevando que a ideia de convidar Irene Oliveira surgiu de “um acaso”, mas também de uma vontade de envolver a comunidade no espectáculo.
“Já não nos víamos há muitos anos. Antes, ela vinha à associação [Centro Cultural e Recreativo de Peras Ruivas] e conhecia o nosso trabalho. Numa conversa de café, surgiu perguntar pela Ti Irene. Ao ler o texto, lembrei-me logo dela. Foi um processo muito bonito, também pelo envolvimento das filhas.”
Com texto de Paulo Kellerman e encenação de Dora Conde, a peça Noventa e dois por cento é “ancorada na loucura de personagens que, afinal, se vão revelar mais complexas do que aparentam”, e marcada pelo riso e pela ironia.
“O texto puxa pelos sentimentos e pelo facto de, por vezes, nos ser mais fácil falar da vida e dos sentimentos dos outros do que dos nossos”, acrescenta a encenadora, revelando que o pretexto para essa abordagem é uma apresentadora de televisão que sai do estúdio a correr, porque não consegue dar uma notícia que está no alinhamento. “A cadeira fica a rodar em directo. A partir daí, desenrola-se um conjunto de situações em que as personagens pensam nas suas próprias vidas.”
A estreia da peça, marcada para as 21:30 horas de sábado, está inserida na 22.ª edição do CenOurém, que esta sexta-feira, faz também subir ao palco do TMO o novo espectáculo do Grupo de Teatro Alcateia, da Academia de Música de Ourém, intitulado Nas asas dos tempos idos. Segundo a sinopse, envolve “sete não-personagens” que “desafiam as leis da física e viajam através do tempo de cada um, lembrando as alegrias, as melancolias e os seus sonhos, sempre com o pensamento de que o tempo ainda não acabou, mas, não pára”.