O manuscrito Non Paventar Mia Vita, originalmente de 1815, é interpretado esta sexta-feira pela soprano Carla Caramujo no arranque do trigésimo Cistermúsica.
Da Alemanha para Espanha e de Espanha para Portugal, a cópia de trabalho atravessou fronteiras e demorou “imenso tempo” a chegar ao destino.
“Uma epopeia”, resume a cantora lírica, para quem a execução ao vivo da ária do compositor Carl Maria von Weber será “uma revelação” na gala de abertura do festival, a realizar na Cerca do Mosteiro de Alcobaça.
Non Paventar Mia Vita está disponível no Cistermúsica depois de muita pesquisa, da Europa aos Estados Unidos. Quase ao jeito da Interpol.
“Andámos à procura dela por todo o mundo”, comenta o maestro Pedro Carneiro, que vai dirigir a Orquestra de Câmara Portuguesa na noite de amanhã. “Não é das partituras mais conhecidas de Weber”, admite, mas é a cena de uma ópera que se inspira em Inês de Castro. Um match perfeito nos 30 anos do festival, que em 2022 decorre sob o tema “Amores proibidos”.
O programa desta sexta-feira, 1 de Julho, também dedicado aos “Amores proibidos”, tem início às 21:30 horas e “privilegia o repertório do bel canto e da época que se lhe segue”, analisa Carla Caramujo, que partilha o elenco com a mezzo-soprano Cátia Moreso.
Além de recuperar Nise Lacrimosa, de Luís Carvalho, obra influenciada pela lenda de Pedro e Inês e encomendada para 2011 pelo Cistermúsica, a gala de abertura do festival abrange a Cena da Loucura do terceiro acto de Lucia di Lammermoor, de Gaetano Donizetti, e, para evocar o romance de Romeu e Julieta, três excertos da ópera I Capuleti e i Montecchi, de Bellini. Incluindo, “uma abertura fantástica”, a que, segundo Pedro Carneiro, “só falta o champanhe”.
Durante mais de um mês, até 6 de Agosto, estão previstos 50 espectáculos em diferentes cidades e vilas portuguesas, no regresso ao formato tradicional e naquela que é a maior oferta da história do Cistermúsica, que tem o Mosteiro de Alcobaça como principal palco.
As propostas artísticas atravessam séculos e vão da música de câmara aos concertos sinfónicos, recitais, ópera, fado, jazz e gospel, além da dança, com a companhia Dança em Diálogos a apresentar o bailado Memorial do Convento, a partir do romance de José Saramago, e o Quorum Ballet a mostrar a coreografia de Daniel Cardoso para Romeu e Julieta.
“Imagine o que é programar os 30 anos com tanta incerteza”, diz o director artístico do festival, André Cunha Leal, numa referência aos efeitos da pandemia e do ciclo político (eleições autárquicas em Setembro de 2021 e legislativas em Janeiro de 2022).
“Uma verdadeira aventura, bem sucedida”, que “recupera claramente a dinâmica de 2019”, isto é, da edição anterior ao aparecimento do novo coronavírus.
Já no próximo domingo, 3 de Julho, o recital do pianista Artur Pizarro percorre composições de João de Sousa Carvalho, Mozart, Debussy, Gabriel Pierné e Ravel.
Num cartaz construído sobre o legado de Inês de Castro e da ordem religiosa de Cister, André Cunha Leal destaca a apresentação do Ordo Virtutum de Hildegard von Bingen pelo ensemble Ars Choralis Coeln, proveniente de Colónia, na Alemanha. “É impressionante pensar que na época medieval houve uma mulher entre homens que acabou por fazer através da sua música uma síntese teológica”. Ambientes do século XII para escutar no Mosteiro de Alcobaça a 16 de Julho e no Mosteiro de Arouca no dia seguinte.
Uma nova versão do Rei Lear de Shakespeare com texto e música de Alexandre Delgado, em que ele próprio é o declamador, vai a palco com o Toy Ensemble e o tenor Carlos Guilherme, mas outras criações do histórico director artístico do Cistermúsica (entre 2002 e 2020) vão estar representadas em concertos da Jovem Orquestra Portuguesa e do Quarteto Camões.
Na música sinfónica, a Orquestra Metropolitana de Lisboa revive António Victorino d Almeida, Beethoven e Prokofiev, a Orquestra Filarmónica Portuguesa debruça-se sobre Rachmaninoff e faz a Sinfonia Fantástica de Hector Berlioz, que, segundo André Cunha Leal, “mete terror a qualquer orquestra”, enquanto a 29 de Julho o Cistermúsica recebe o violinista ucraniano Valeriy Sokolov, que vai acompanhar a Orquestra XXI em obras de Vianna da Motta, Tchaikovsky e Bartók, noutro momento “a não perder”.
Citado pela agência Lusa, o director-geral do Cistermúsica, Rui Morais, diz que a organização, a cargo da Banda de Alcobaça, está a trabalhar com o maior orçamento de sempre – 425 mil euros, um crescimento de 16% desde a última edição – e espera receber oito mil espectadores no “maior festival do género em Portugal”, materializado com apoios da Direcção-Geral das Artes, do município de Alcobaça e de outras autarquias, que completam as receitas de patrocínios e de bilheteira.
Na programação principal encontram-se o espectáculo Voces Celestes & Real Câmara com Paul Agnew, quartetos de cordas da Coreia do Sul e de Portugal e vários ensembles vocais.
Nos eixos “Outros Mundos” e “Rota de Cister”, surgem a harpista espanhola Angélica Salvi, o americano John Pizzarelli a cantar Nat King Cole, o trombonista Ray Anderson, a fadista Cristina Branco com a Cister Meta Orchestra, o jazz do Vein Trio, da Suíça, os acordeões do Motion Trio, da Polónia, e o Black Heritage Choir, dos Estados Unidos.
Entretanto, a vertente “Júnior e famílias” assenta sobretudo nas produções dos alunos da Academia de Música de Alcobaça.
Habitualmente apresentado fora do concelho, o Cistermúsica volta este ano a expandir-se. “Não gostamos que isto nasça e morra em Alcobaça”, argumenta André Cunha Leal. Estão anunciados espectáculos em Lisboa, Porto de Mós, Marinha Grande, Batalha, Coimbra, Oeiras, Mação, Odivelas, Évora, Arouca, Penacova, Santarém, São Pedro do Sul e Figueira da Foz.