Nos dias que correm, o associativismo nem sempre é fácil de alimentar, com rotinas e projectos profissionais que deixam pouco tempo para a vida em comunidade, nas associações e clubes da terra. Mas a Feira de Leiria é um evento excepcional, que mobiliza, ao longo de todo o mês de Maio, centenas de pessoas que se voluntariam para trabalhar nas tasquinhas das suas colectividades.
Porque o momento é festivo e decisivo na angariação de verbas para causas muito concretas de cada associação, muito facilmente se reúne vontade e empenho para enfrentar dias agitados, com milhares de clientes famintos a passar pela Praça da Gastronomia.
Médicos, bancários, professores, estudantes e aposentados, jovens e menos jovens, uns mais experientes no mundo dos petiscos, outros nem tanto, vestem aventais, preparam morcelas e caracóis, servem às mesas e tomam conta da caixa registadora, num gesto democrático e de grande cooperação.
Juntos pela construção de um lar de idosos
Agostinho Roda é vice-presidente da Associação de Melhoramentos e Bem-Estar Social de Santa Eufémia (AMBESSE), instituição particular de solidariedade social de Leiria, que se faz representar com uma tasquinha na feira pela quarta vez.
Técnico de planeamento numa rede de distribuição de electricidade, Agostinho arregaça as mangas neste evento, movido pelo objectivo partilhado por todo o grupo: angariar fundos, que ajudarão na construção de um lar de [LER_MAIS]idosos na sua localidade.
Este ano, a equipa de voluntários nesta tasquinha é composta por cerca de 70 pessoas, que se revezam por equipas de 15 elementos. Além da cozinheira, mais ninguém tem experiência em restauração.
Reformados, bancários, médicos, professores e estudantes são alguns dos voluntários. Os mais jovens são ainda adolescentes e o mais velho é octogenário. “A falta de experiência entre a equipa obriga a uma dose de paciência. Há alguma descoordenação”, reconhece Agostinho, notando, contudo, que o ambiente é de festa e que maioria dos clientes são compreensivos.
“Contrariando a tendência, porque é cada vez mais difícil ter sócios e pessoas disponíveis para integrar os órgãos sociais das associações”, ao longo dos anos tem vindo a aumentar o número de jovens que se voluntaria para ajudar a AMBESSE neste evento, realça Agostinho. E são iniciativas que dão novo fulgor aos mais velhos, acrescenta.
“Do ponto de vista da organização da feira, melhoram de ano para ano as condições de higiene e de segurança no trabalho, na confecção das refeições”, constata o vice-presidente. “A imagem, o arranjo do espaço, em tudo se vê uma evolução positiva”, verifica o dirigente.
Estreante nestas lides é o Clube Náutico de Leiria. Todas as noites, chegado do seu próprio restaurante, onde é cozinheiro, Francisco Pegas, sócio do Náutico, transforma- -se no organizador das equipas de voluntários que se revezam numa tasquinha da feira. Neste caso, são 14 os elementos, que se dividem em turnos de sete.
Desportistas, estudantes ou empresários, sem peneiras nem estatutos, cada um dá o seu melhor para alcançar um objectivo comum: angariar dinheiro para patrocinar viagens a alguns atletas que, de outra forma, dificilmente teriam condições de competir. “Já temos um nadador olímpico e queremos criar mais”, refere Francisco Pegas.
Com esse propósito em mente, todos os voluntários se empenham e “estão ao mesmo nível”. “Como chefe deste equipa, temos alguém que no seu dia-a-dia é empregado de mesa. E na copa, a lavar loiça, está um empresário habituado a gerir 70 ou 80 funcionários”, exemplifica Francisco.
Neste clube recente, composto por muitos associados jovens – o presidente, Filipe Gomes, tem 25 anos – foram muitos os sócios que se prontificaram para servir na tasquinha da feira. “Excelente” tem sido ainda o apoio prestado pela Câmara de Leiria, criando condições e acompanhamento, essenciais para quem se estreia neste evento, prossegue o voluntário. Quanto à carteira dos portugueses e aos valores praticados, “como o objectivo é ajudar o clube, não podemos puxar muito pelos preços, para que as pessoas adiram”, realça o sócio, adiantando que, até agora, o movimento está a correr de feição.
Orgulho no leitão da terra
“Leitão da Boavista, morcela e chouriço”, estão entre os itens que mais saída têm tido nesta tasquinha, ou não fosse ela dinamizada pelo Grupo Desportivo e Recreativo da Boavista, congratula-se David Ferreira, membro da comissão que organiza a participação da associação na Praça da Gastronomia.
“Somos todos pais e familiares de miúdos que jogam futebol no nosso clube. Queremos proporcionar a participação dos iniciados num torneio internacional em Barcelona, que acontecerá em Julho”, explica David.
São cerca de 50 os voluntários que se predispuseram a trabalhar nesta tasquinha, onde os turnos variam entre grupos de seis e de 12 elementos, de acordo com os dias mais ou menos movimentados. Também este grupo se estreia nestas lides e, até agora, só teve surpresas boas. “Foi fácil reunir gente que aderisse, embora o voluntarismo e o associativismo estejam em crise profunda”, repara David.
“Porque esta é uma excepção. É um momento de diversão e há uma causa concreta e estão todos focados nisso”, observa.
Além disso, “também a câmara está muito organizada, muito acima do que eram as nossas expectativas”, comenta David.
Na tasquinha da Academia Desportiva do Colégio Conciliar de Maria Imaculada (ADCCMI), Sabina Carreira, técnica de contabilidade de profissão, assume por estes dias o cargo de “directora das benjamins de futebol feminino”.
Ao longo do mês de feira, sucedem- se neste restaurante grupos de voluntários, formados por pais e mães de atletas das várias equipas da ADCCMI. Os turnos podem oscilar entre seis a oito pessoas, sendo que, no total, estão mobilizados cerca de 50 voluntários. No grupo de Sabina, a maioria são senhoras.
“Aqui todos fazem o que é necessário”, relata a directora, afiançado que “é grande o espírito de entreajuda”. O importante é trabalhar no objectivo comum: juntar verbas para continuar a melhorar as condições de treino e as instalações da academia.
Élio Estrela é o único homem deste grupo. É pai de uma jogadora e é tesoureiro na ADCCMI. Sublinha que, nesta casa, o voluntariado e o associativismo estão vivos durante todo o ano. O segredo passa por conseguir envolver os pais nas várias actividades da academia, afinal, também eles são parte interessada no êxito dos atletas.