O aumento do preço do petróleo, que fez encarecer os transportes, associado ao elevado preço da electricidade, bem como à escassez de contentores e também de mão-de-obra estão a deixar em apuros grande parte dos produtores portugueses.
Por enquanto, têm sido os produtores de leite, carne, peixe, cereais, fruta e hortícolas a suportar o aumento dos custos de produção. Mas alguns deles admitem que a situação não é sustentável e que o consumidor, mais tarde ou mais cedo, vai deparar-se com aumento do preço de muitos produtos nas prateleiras dos supermercados.
Na semana passada, em entrevista ao jornal i, o próprio director-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) o admitiu. “O que estamos a assistir, do ponto de vista do alimentar, é um aumento generalizado dos custos de produção e que provoca uma certa tensão entre produção, indústria e distribuição que, tarde ou cedo, terá impacto no preço de alguns produtos que, aliás, acho que já notaram uma pressão também influenciada pelo crescimento da inflação”, expôs Gonçalo Lobo Xaxier.
Embora o director-geral da APED tenha afastado a hipótese de “prateleiras vazias” no Natal, reconheceu “o aumento generalizado dos custos de produção, que tem impacto na própria indústria, na transformação dos produtos alimentares e que depois terá também consequências, eventualmente, no preço de venda que a distribuição vai apresentar aos consumidores”.
O pão e os hortofrutícolas foram alguns dos produtos onde Gonçalo Lobo Xavier previu aumento de preço.
Pão já ficou mais caro
José Palha, presidente da Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais, que representa produtores de cereais destinados a alimentação humana e a alimentação animal, fala precisamente ao JORNAL DE LEIRIA de como tem sido difícil ao sector suportar os crescentes custos de produção e de como este contexto já está a fazer subir o preço do pão nalgumas superfícies.
“Portugal é um País que depende da importação de trigo mole (para transformar em pão) e de trigo duro (para transformar em massas). Entre ambos os géneros, importa 90% do trigo que consome. Temos vindo a avisar o Ministério da Agricultura, mas o Governo não está preocupado, ou pelo menos não vê a resolução do problema como prioritária”, introduz José Palha.
Sucede que, nesta fase, juntam- se a esta “dependência histórica do mercado externo”, mais factores que resultam numa “tempestade perfeita”. “Temos a China a consumir uma grande fatia dos cereais disponíveis no mundo e estamos dependentes da vontade de produtores como a Rússia e a Ucrânia, que olham muito para dentro dos seus territórios, e que de um momento para o outro podem suspender as exportações e Portugal fica sem o que comer”, realça José Palha.
“O stock que existe em Portugal dura para duas semanas. Se neste momento [LER_MAIS]algo se inverte, ficamos sem nada”, alerta. “Há uma escalada do preço da matéria-prima, do preço da energia para transformação e do preço do petróleo, que encarece o transporte.
No ano passado, comprava-se a gama mais baixa de trigo panificável por 200 a 220 euros/tonelada. Ontem foi comercializado a 320 euros/tonelada. Já o trigo duro, que é base das massas, passou de 300 euros/tonelada para mais de 500 euros/tonelada de uma campanha para outra”, compara o presidente.
“O contexto vai levar ao aumento do preço das rações para os animais e, por consequência, ao aumento do preço da carne. É uma bola de neve e adivinham-se tempos muito complicados. Ninguém ganha com isto e o consumidor vai pagar a factura”, adverte José Palha, que tem conhecimento de grandes superfícies onde o pão já encareceu 20 cêntimos.
Suinicultores reclamam intervenção do Governo
David Neves, presidente da Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores e também presidente da Associação de Suinicultores de Leiria, explica que o sector não tem subido preços junto do consumidor final, embora esteja a viver momentos difíceis, devido ao aumento de custos de produção e não só.
A procura externa tem vindo a abrandar, o que tem forçado a descida dos preços pagos aos suinicultores, que estarão agora 30% mais baixos. “A China deixou de comprar na Europa e a Alemanha voltou-se em força para o comércio no mercado europeu”, justifica David Neves.
“Temos sentido grande aumento de custos de produção, aumento de preço das rações, dos combustíveis, da electricidade, e os nossos produtos estão à venda a preços que não acompanham as subidas destes custos”, prossegue o presidente.
“Os preços dos nossos combustíveis estão 30% mais caros do que em Espanha, o que nos retira competitividade. E há matérias-primas que no último ano aumentaram preços em 100%. Em média, os custos de produção das suiniculturas aumentaram 25% no último ano”, especifica o dirigente.
“Dada a falta de transportes, também à escassez de matéria-prima”, realça David Neves. “E se a construção poderá parar uma obra, os animais não podem deixar de ser alimentados”, compara. Assim, apesar destes constrangimentos não terem tido impacto no preço final da carne, “os suinicultores estão a ser prejudicados como nunca foram”, sublinha David Neves, notando que “o sector primário não controla os seus preços”. Do seu ponto de vista, é hora de o Governo actuar.
“Pode intervir e ajudar a reduzir preços da energia e dos combustíveis. E há que fazer como noutros países da Europa, onde se identifica, protege e prefere o que é nacional. São as empresas portuguesas que geram riqueza e criam postos de trabalho no País”, frisa o dirigente.
Produtores de leite poderão abandonar negócio
Produtor de leite, em Leiria, também Uziel Carvalho recorda que “os preços para o consumidor não reflectem há muitos anos os preços da produção leiteira”, tendo a situação das explorações piorado de ano para ano.
“Temos uma grande empresa que controla a maior parte da produção leiteira no País, que fornece grandes superfícies, e que não consegue preços que façam face ao encarecimento da energia, do aumento dos preços da alimentação animal, dos investimentos que temos vindo a fazer em qualificação de recursos humanos e modernização tecnológica”, observa Uziel Carvalho.
“O preço pago à produção de leite mantém-se há cerca de 20 anos. Estamos nos 32 cêntimos por litro”, salienta o produtor. Sucede que “a grande distribuição está a usar alguns produtos agroalimentares com preços excepcionalmente baixos, para promover, para levar os consumidores a adquirir outros artigos nos supermercados”, acrescenta Uziel Carvalho.
O produtor diz que as explorações estão a perder muito dinheiro e que, a manter-se a situação durante mais tempo, muitos vão abandonar o negócio, podendo deixar de aparecer leite português no mercado.
Falta mão-de-obra nos campos
Na área da horticultura, onde Uziel Carvalho também tem actividade em Leiria, o panorama é semelhante, expõe o empresário. É grande a margem entre o preço da aquisição no campo e o preço que é praticado pela distribuição, que, nalguns casos, mais que duplica, conta o produtor.
Embora os preços se tenham vindo a manter para o consumidor final, com as despesas crescentes associadas à produção e à falta de mão-de-obra para trabalhar na agricultura, os produtores de horticultura não vão conseguir sustentar a situação por muito mais tempo, relata o empresário.
Por via indirecta, a empresa de Uziel Carvalho também coloca produtos no mercado internacional. Mas também nesse campo surgem contratempos: “os nossos clientes queixam-se que cada vez mais têm dificuldade em arranjar transporte de qualidade a preço que lhes permita colocar produtos no mercado externo”.
Maçã de Alcobaça pode retrair investimentos
O preço dos transportes está a subir vertiginosamente por causa dos combustíveis, com impacto forte num sector que tem de assegurar que a fruta chega diariamente às grandes superfícies e centrais de distribuição, realça Jorge Soares, presidente da Associação de Produtores de Maçã de Alcobaça.
Paralelamente, está também a subir o preço das embalagens. “Nos últimos seis meses, as embalagens de plástico – cujo valor está indexado ao petróleo -, aumentaram de preço em 50%. Já as embalagens de cartão, descartáveis, aumentaram em cerca de 30%”, expõe Jorge Soares.
“Acresce que os nossos clientes, preocupados com o consumidor final, estão a pressionar para que baixemos os preços. Essa pressão da distribuição sobre os produtores também acontece no mercado internacional para o qual exportamos”, realça o dirigente associativo.
“Tínhamos algum equilíbrio, mas agora vamos ter prejuízos e haverá redução dos investimentos que pretendíamos fazer para obter mais eficiência, produção mais verde e sustentável”, nota o presidente.
Pescadores evitam ruptura de pescado fresco
Humberto Jorge, presidente da Associação das Organizações de Produtores da Pesca do Cerco explica que nem todos os sectores da pesca estão a sentir os problemas com a mesma intensidade, mas que a generalidade dos sub-sectores atravessa um mau momento, em particular quem se dedica à captura de pescado fresco.
“São maiores as dificuldades com pescadores de peixe fresco, porque existe a obrigatoriedade de vender em leilão, em lota. Assim sendo, não são os pescadores que estabelecem o preço e têm dificuldades em que esse montante repercuta o aumento de custos de combustíveis e de outros custos de produção que têm vindo a acontecer”, considera Humberto Jorge.
“Tal como em 2008, esta parece ser uma crise que irá manter-se, o que levará a retracção do consumo por parte das famílias e das empresas, o que levará à descida de preços”, teme o dirigente.
“Foi com esta inquietação, que reunimos na passada sexta-feira com o ministro do Mar, em Lisboa, para lhe transmitir preocupações e solicitar medidas, tal como foram tomadas em 2008”, recorda o presidente.
As medidas, propõe, poderiam passar pela isenção de pagamento de Segurança Social, apoio à imobilização temporária ou definitiva. O objectivo, realça, é evitar ruptura de pescado fresco nas prateleiras dos supermecados portugues.